Per(Correndo) meu Velho Bairro

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Mais meia dúzia de prédios com seus paredões de concreto estão surgindo no meu bairro. Perto deles, o sol da manhã nunca mais beijará as calçadas molhadas de orvalho...  

Imagem montada com fotos da internet - Bira, 17-07-14.



Amigos!

Era cedo, quando eu saí para correr e conversar com o meu Velho Bairro. Enquanto estou treinando, não me canso de ouvir suas histórias contadas assim:

-- Olhe bem para essa rua em que você está correndo, meu garoto... Outrora, havia um lindo pomar aqui. Até que os homens derrubaram as árvores, fincaram postes e construíram casas. Foi quando muita gente desceu do trem e entrou nas casas pra se amar e sonhar, nas noites estreladas.

Meu Velho Bairro me chama de "garoto" ignorando minha idade. Faz com que eu me sinta trinta anos mais jovem ao correr em suas ruas, e continua:

-- Não corra tão rápido!... Diminua um pouco a passada e perceba: Ali onde está o shopping, antes tinha uma fábrica. Antes da fábrica tinha uma lagoa com borboletas, flores e sapos. Agora as borboletas e as flores são de plásticos e enfeitam as vitrines do shopping. Os sapos são de resina e podem se encontrados nas lojas de produtos esotéricos...

Continuei o meu treino. Passei pela estação do metrô, que antes foi estação de trem, que antes foi estação de bonde, onde antes deviam ferrar os cavalos. Perto dali uma igreja evangélica que já foi cinema, que foi parar no shopping para onde todos estão indo... Essa gente de hoje se destranca de casa e se mete num shopping!... Meu Velho Bairro é generoso, ficou calado deixando eu pensar, mas depois falou:

-- Se liga garoto!... Lembra do parque de diversão e do circo que sempre acampava naquele imenso terreno que agora é hipermercado? Lembra que ali tinha uma mangueira imensa?... Você era criança e chupava mangas no galho mais alto. À noite voltava para caçar rã no brejo e as sanguessugas caçavam você e aquele bando de moleques, seus amigos... Lembra que os portugueses cuidavam de hectares e hectares de hortas no bairro? Os portugueses se foram, as couves morreram e no canteiros brotaram os primeiros prédios. Não eram prédios tão altos quanto os de hoje, nem tão apertados.

A essa altura eu apenas trotava rente ao meio-fio de uma área comercial. Quando surgia um veículo, vindo em minha direção, eu pulava para a calçada. Mas a calçada também estava cheia de carro e eu quase parava. Prontamente voltava para o asfalto onde não tinha camelôs ou sacos de lixo. Mas logo saí dali, entrando em ruas mais calmas. Eu precisava correr na grama ou em terra batida para aliviar meus joelhos, mas meu Velho Bairro não tinha mais isso, e  se desculpou:

-- Sinto muito, garoto!... Todo o chão que eu tinha foi encapado, até os quintais das casas. As famílias não param de ter filhos, nem de construir meias-águas nos quintais. As árvores que não foram cortadas estão aprisionadas nos canteiros. Suas raízes tentam romper o cimentado mas é em vão. Porém não quero ficar aqui chorando, prefiro dizer que sou um bairro moderno. Se o espaço físico é cada vez menor, o virtual agrega o mundo no meu WiFi.

Segui correndo e estupefato pelo discurso do meu Velho Bairro e quase tropecei. E ele continuou:

-- Então corra, meu garoto!... Aproveite o espaço e toda a vida que lhe resta! Espalhe essa felicidade que você tem pelo meu chão de asfalto e pedra!

Nessa hora eu sorri de orelha a orelha. Atravessei assim o sinal onde as pessoas assustadas viam apenas a mim, rindo sozinho. Meu Velho Bairro, que conversava e corria comigo, era visto só por mim...

Abraços!
Bira.




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