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(...) Treinei vários meses para que esse momento chegasse... Acabo de vencer 42 km e entrei no corredor de chegada (...)


Montagem com recorte de imagem de vídeo do canal do Youtube JMaratona.

Vídeo-Crônica: Sou Corredor!

Amigos!

Eles filmam os corredores de rua que viram estrelas nas suas postagens!...  Eles são os Blogueiros-Corredores como Jorge - O Ultramaratonista, Nilo (Companheiros de Corrida) Resende e Vannucci Jr, de Corrida Rústica Uberaba. Os três estiveram presentes no 1º Encontro de Blogs e Grupos de Corrida de Rua, e eu quis homenageá-los com esta vídeo-crônica. A duração do vídeo é de dois minutos, mas sua poesia continuará correndo contigo...


Muito Prazer, Sou Corredor!


Muito prazer, sou corredor!

Desculpe eu não poder  falar direito, é que falta pouco para a largada, mas meu coração, ansioso, já disparou!...

Agora sim, eu vou no estouro da manada! Não sou corredor de elite, quero apenas completar. Quero filmar os amigos. Quero fazê-los estrelas, pois é isso que são! Meus amigos e eu somos as estrelas de nossos filmes. No asfalto quente desta prova, brilhamos mais que o sol!

Muito prazer, é o que sinto!

Treinei vários meses para que esse momento chegasse... Acabo de vencer 42 km e entrei no corredor de chegada... Gritos coloridos invadem meus olhos, cores gritantes, meus ouvidos e eu penso:

-- No paraíso deve ter maratona todos os dias!...

Abraços!
Bira.





Esta postagem é dedicada ao meu amigo virtual José Antônio Martins que, há pouco, pediu (via Facebook) que eu fizesse um post falando de hidratação. Eu expliquei que sou leigo e não poderia falar de hidratação, só de forma poética. Depois fiquei pensando como isso seria possível... Mas creio que consegui!

Homem-Água -- Animação montada com imagens da internet - Bira, 24/07/14.

Amigos!

Então Vais, Homem-Água!


Estás correndo e nem imaginas a quantidade de água que evapora de ti.
Sentes o boné encharcado, gotejando incessantemente pela aba.
Teu suor secou em segundos ao tocar no asfalto, mas tu nem vistes porque já cruzastes a esquina.
A água escorreu de ti e grudou tua camisa no peito.
Dentro de teu peito mais água fervilha.
Dentro de teu peito tem um caldeirão de locomotiva.
Só te falta apitar pelos trilhos imaginários desta rua...

-- Então vais, que o pórtico de chegada te espera!

Estás correndo e nem vês que água que evapora de ti sobe para as nuvens
E que as nuvens esculpem a tua imagem no céu.
Bastaria que paraste para ver teu desenho formado nas águas que flutuam,
Da mesma forma que românticos veem São Jorge na lua.
Mas estás correndo e não podes parar...

-- Então vais, que o pórtico de chegada te espera!

Estás correndo e necessitas beber mais água no posto de hidratação.
Se fosse possível, passarias direto para não perder preciosos segundos.
Sorves para dentro de ti o líquido gelado que alivia o calor de teu peito,
Tens uma volátil ideia de parar para usufruir do alívio,
Por instantes, queres deixar que a água te irrigasse por dentro - corpo e alma,
Mas estás determinado a te superares e continuas...

-- Então vais, que o pórtico de chegada te espera!

Estás correndo e sequer percebes que és feito de água.
Corres, feito a água-vermelha dentro de tuas próprias veias.
Corres, feito a água-verde dos rios e a água-azul do oceano,
Corres, feito a água invisível do ar que se revela no céu, onde tu estás esculpido.
És água que corre e se espalha dentro e fora de ti!
És muito mais que um corredor assim reconhecido e identificado,
És Homem-Água, és Vida...

-- Então vais, muito além do pórtico de chegada!

Abraços!
Bira.







(...) Quando eu pensei: "Deve ser um desocupado ou mais um boa-vida! Se tivesse o que fazer não estaria correndo..." Fui pro bar, desanuviar de mais um dia estressante no trabalho e o corredor sumiu na esquina (...)

Montagem com foto pessoal e imagem da internet - Bira, 10-07-14.

Rua Turva, Corredor Radiante!


Amigos!

Quando o tempo fechou, a tempestade caiu e tudo escureceu... Um corredor radiante surgiu!

Quando negros eram os meus olhos e o teto do guarda-chuva, o corredor radiante refletiu sua cor no chão molhado do asfalto. Pouco se podia pensar debaixo daquela chuva. Era urgente buscar um abrigo. As ruas ficaram vazias de gente e de carro.

Quando o sol se escondeu, a rua ficou turva e tudo entristeceu... Um corredor radiante surgiu!

Quando eu pensei: "Deve ser um desocupado ou mais um boa-vida! Se tivesse o que fazer não estaria correndo..." Fui para o bar, desanuviar de mais um dia estressante no trabalho e o corredor sumiu na esquina. Um amigo alto falava alto e do alto de sua boca também chovia. Coisas de bar... Palavrões provocavam risos nas piadas, nas críticas ao governo, provocavam a ira.

Quando a mesma conversa abrangeu futebol e igreja, foi melhor tomar mais um copo de cerveja!

Quando eu pedi outra gelada não percebi que a chuva parou. O céu abriu, mas já era noite e pouca coisa ainda brilhou. Pessoas e carros voltaram a circular entre as sombras. Vira-latas voltaram a disputar as sacolas de lixo no beco escuro.

Quando o bar esvaziou, a surpresa surgiu na figura do corredor radiante que ali entrou!

Quando o corredor pediu água sem gás, ele queria repor o líquido que escapava de sua testa. Quis sorver toda a garrafa em um longo gole, mas interrompeu a ação para respirar. Era visível a energia que fluía de seu corpo. Era visível a alegria que seu olhar distribuía. Antes que o balconista lhe perguntasse, ele respondeu: "Coloquei mais 25 km no saco!". Fiquei admirado, quis saber como, puxei assunto.

Quando o corredor radiante me convidou eu fui, no dia seguinte, e me pus a treinar!

Quando o sol renasceu por detrás das montanhas distante, fui apresentado a um monte de gente radiante. Fui fisgado no mesmo segundo e mergulhei naquele mundo. Primeiro sofri, depois perdurei. E quando me desapeguei de conferir os resultados, já se passaram meses e meses e lá estava eu, correndo no solo molhado...

Quando o tempo fechou, a tempestade caiu e tudo escureceu... Um corredor radiante surgiu, e era EU!

>> Eu Precisava Correr na Chuva! - Correr na tempestade pode ser perigoso... e excitante!

>> O Corredor, A Cidade e O Lixo - Maus hábitos e desordem não podem impedir a corrida!

Abraços!
Bira.




(...) Os bebês estão sujeitos à mortalidade infantil, no primeiros ano de vida. Os corredores estão sujeitos a desistir nos seus primeiros três meses. O corpo dói e precisa se acostumar (...)

Gif animado composto com recortes de imagens da internet - Bira.


Além do Blog IX - Sair do Sedentarismo


Amigos!

Há três anos, uma amiga me perguntou no Facebook: "Como começar a correr?" Achei que eu fosse realmente capaz de orientá-la e respondi, diga-se de passagem, com uma postagem muito ruim. Dei conselhos estéreis, citei a mim mesmo... Fazer o quê? Era o que eu tinha para dar... Agora que estou reeditando postagens antigas em "Além do Blog", Faço de contas que a pergunta chegou há pouco e vou tentar me redimir, a seguir:

Como Sair do Sedentarismo?

Minha amiga Virgínia enviou a seguinte pergunta:

Bira... Parei de fumar tem 1 ano, engordei, odeio academia, e acho que vou amar correr, mas não sei como começar, por isso quero muito uma luz sua, como devo iniciar esse processo, pois to muito perdida. Vou ficar aguardando, beijos.

Olá, Virgínia!... Gostaria muito de lhe passar uma fórmula, mas a verdade é que eu não tenho essa fórmula! Quanto mais tempo estou na corrida, menos tenho para ensinar. Desculpe a sinceridade, mas a vida é assim, recheada de incógnitas. Algumas dicas, no entanto, eu aprendi e posso repassar:

Iniciar a correr é como começar a viver. Você é um bebê, não sabe nada, apenas chorar. Essa sua pergunta é como o choro do bebê... Então perceba: você já começou a viver na corrida com esse choro. Bem-vinda!

Agora, Bebê Virgínia, prepare-se! Você vai continuar chorando muito, para sobreviver. Os bebês estão sujeitos à mortalidade infantil, no primeiros ano de vida. Os corredores estão sujeitos a desistir nos seus primeiros três meses. O corpo dói e precisa se acostumar. A mente precisa desapegar dos velhos padrões. A recompensa é muito pouca, quase nula... Você está disposta a encarar esses três meses?

Superado o período de risco, o bebê faz gracinhas. Ainda não começou a andar, mas vive sorrindo nas fotos postadas no Facebook. Por sua vez, você já tem alguns amigos corredores e vai se aventurar na primeira corrida de 5 km, no Aterro. Está meio assustada. Pretende apenas caminhar e trotar. Vai tirar fotos mostrando sua primeira medalha. Vai fazer gracinhas com os amigos e sorrir feito o bebê... Aproveita!

Quando o Facebook lhe surpreender com vários pedidos de amizade feita por corredores, você já não será mais um bebê, e sim uma criança no maternal. Seus tênis, frequencímetro e óculos esportivos corresponderão aos brinquedos. Nesse ponto, seu currículo exibirá uma série de corridas de 10 km e seu propósito será fazer a primeira meia-maratona. Seu abdome, cada vez mais sarado, vai render elogios e elevar sua auto-estima. Boa leitora dos sites e revistas especializadas, você entenderá de Corrida e até de Alimentação. Seus programas mudaram, consequentemente os amigos. Para compensar, uma velha amiga ingressou no mundo da corrida sob sua influência. Certo dia, você receberá um convite para participar de um treinão na subida da serra, com um grupo de corredores. Você irá, e esse gesto corresponderá ao de uma menina chegando para o primeiro dia no ensino fundamental.

A menina vai continuar crescendo e evoluindo tanto quanto você. Todos lhe identificarão como corredora. Você será referência na família, na vizinhança e no trabalho. Um belo dia alguém vai lhe enviar pelo Facebook a seguinte pergunta:

Virgínia... Parei de fumar tem 1 ano, engordei, odeio academia, e acho que vou amar correr, mas não sei como começar, por isso quero muito uma luz sua, como devo iniciar esse processo, pois to muito perdida. Vou ficar aguardando, beijos.

Você irá responder com a autoridade de quem sabe o que está falando, mas seus conselhos serão estéreis, como foram os meus. Ainda bem que você não vai parar de crescer, feito a menina no colégio. Ainda bem que você descobrirá, um dia, que não há respostas precisas para perguntas como essa. Descobrirá que "o processo" não tem começo nem fim, só o durante.

Quer começar a correr? Utilize o impulso desse desejo e se levante agora! Mesmo que você consiga apenas caminhar, nesse momento, faça! Contente-se, você entrou no "processo"! Você já é corredor no durante! Os resultados virão, mas o seu momento é agora!

Abraços!
Bira.





"Além do Blog" é um desafio para descobrir novas maneiras para contar as histórias deste site. Nessa brincadeira eu posso mudar o ângulo ou a interpretação de uma cena. Refaço imagens, recrio, cresço e pavimento o blog... 

A história a seguir, no entanto, eu não ouso mudar sequer uma frase. Ela foi contada na postagem Gilmara Encontra Gilmara  que me emociona sempre que leio e o mesmo se dá com muitas pessoas. Vou repeti-la na íntegra no final deste texto, mas antes quero acrescentar alguns fatos... 


Na montagem, as alegrias de Gilmara corredora e passista.

(...) Encontrei tudo muito diferente no mundo da corrida. A atividade antes vista com estranheza virou moda. Os corredores já não eram chamados de "doentes mentais" e sim de "gente saudável" (...)

A série"Além do Blog" traz novas maneiras de contar as histórias já descritas aqui. Em "Meu País: Maratona", a emoção de superar os 42 quilômetro da grande prova... 

Além do Blog II - Meu País: Maratona

Amigos!

Esqueça tudo que você entende de corrida de rua hoje: Esqueça das suas camisetas e bermudas tecnológicas que não retêm suor. Esqueça dos seus tênis importados que se adaptam ao formato do pé. Esqueça do seu frequencímetro Garmin que localiza o satélite para medir o percurso. Esqueça até mesmo dos seus fones de ouvido. Esqueça, sobretudo, dessa grande quantidade de amigos corredores que treinam contigo...

Pronto, agora você está em 1985 e corre sozinho na beirada do asfalto. Seus tênis são feitos de lona azul e têm sola dura de borracha. Sua camiseta é branca de algodão. Ela vai ficar encharcada de suor, vergonha e raiva, quando alguém lhe chamar de maluco na rua...

Isso mesmo, em 1985 e só os "loucos" corriam, enquanto as "pessoas normais" davam longas tragadas em seus cigarros, imitando os atores de Hollywood e desportistas dos um comercias de TV (confira o vídeo). Existia apenas uma revista (a Viva) especializada em corrida e a internet, com seus sites e blogs sobre o tema, só explodiria entre 10 e 15 anos depois. Aqui no Rio, o jornalista pioneiro neste assunto foi José Inácio Werneck, no Jornal do Brasil. Foi na sua coluna que me inspirei para participar da minha primeira maratona: A Maratona do Rio'85. Sem ter nenhuma noção do que encontraria pela frente, comprei um belo par de tênis branco e me inscrevi para a grande prova, repleta de corredores da elite internacional.

Quando o sol começou a descer atrás dos prédios que margeiam a Praia do Leme era tarde-sábado de junho-85. Os acordes do Bolero de Ravel se elevaram sobre seis mil corredores espremidos e ansiosos no corredor de largada. Foi um tiro de canhão que provocou o estouro daquela manada. Meu choro, ali no meio, também não se conteve e tentou denunciar inutilmente a todos minha emoção. As largada e chegada daquela corrida foram momentos marcantes na minha vida. Para completar a prova, no entanto, intercalei entre correr e caminhar por longas de 5 horas e 28 minutos. Eu não tinha experiência nem feito um único treino para chegar ali. Entrei na maratona pela janela e acabei sendo fisgado: No ano seguinte voltei a fazer a Maratona do Rio além de São Paulo. Depois parei por nada menos que 22 anos!...


Comerciais, impensáveis nos dias de hoje, associavam cigarros ao esporte... Naquele contexto, "maluco" era quem passasse correndo na rua: "Ao Sucesso!..."


Voltei a correr em 2008 e em 2010 fiz a Maratona do Rio. Encontrei tudo muito diferente no mundo da corrida. A atividade antes vista com estranheza virou moda. Os corredores já não eram chamados de "doentes mentais" e sim de "gente saudável". Ignorei que já não tinha mais vinte e tantos anos, e vesti roupas coloridas, e ganhei identidade de atleta. O que não mudou foi o encanto e a felicidade que a prova desperta. Regularmente treinado, aos 50 anos, concluí a Maratona do Rio em 3 horas e 36 minutos. O choro na chegada não foi suficiente para dissipar minha emoção. Ao chegar em casa, entrei no Orkut - que ainda era usado na época - e escrevi o seguinte texto:

 A MARATONA É COMO A VIDA

A maratona é como a vida: Nos primeiros quilômetros, ainda no Recreio dos Bandeirantes, enquanto à nossa direita víamos violentas ondas se erguerem do mar, transformando aquele azul eterno na branca espuma que logo morre na areia, do outro lado da estrada onde corríamos, havia um o mato verde, calmo e fecundo, sob o manto do orvalho, num dos trechos esportivos mais belos do mundo. 

Recebíamos contra o peito fortes lufadas de vento e, mesmo neste momento supremo, eu consegui me preocupar... Tentei vislumbrar além da estrada o meu destino - O Aterro do Flamengo - e pensei: "É longe demais!... Não dá pra ver ou calcular, atrás de qual montanha distante e esbranquiçada está a linha de chegada..."

Tal qual ocorre na vida, não daria para assegurar o resultado. Era preciso, simplesmente, viver cada passada. E assim perceber que aquele vento frio, matinal de inverno à beira-mar não era o bastante para nos congelar, apenas refrigerava. Nosso sangue estava quente e expelia o calor e energia, e expulsava o suor. Se por um lado perdíamos sais minerais, por outro, nos desfazíamos de toxinas. Poderíamos recuperar os sais no próximo posto de hidratação, sorvendo um isotônico, mas as toxinas, que ficassem pelo caminho - pisoteadas no asfalto como copinhos de água mineral.

Sim! Nós maratonistas somos privilegiados pois colhemos ao longo de 42km de estrada os frutos do que plantamos no asfalto e que regamos com o próprio suor, dia a dia, treino a treino. Ao fim da maratona, passadas 2h50min, ou 3h25min, ou 4h20min... não importa o tempo de cada um, cruzamos a linha de chegada para descobrir que a felicidade sempre esteve ao nosso lado, pelo caminho. Ela esteve no olhar de um amigo - feito ali mesmo naquele trajeto - ou no sentir o vento, ou no pisar no asfalto, ou no ouvir o barulho do mar, ou...


A maratona é como a vida: Longa e desgastante para quem não percebe a brevidade da onda, que se desfaz na espuma, que se chama felicidade, que morre e renasce a todo instante #


Meu País: Maratona


Continuei a correr maratonas (42 km) em Porto Alegre, Buenos Aires, Rio de Janeiro e Buenos Aires de novo. Depois andei lesionado e me limitei às corridas mais curtas, mas nada é como uma maratona!... Pensando melhor, a Maratona não é uma prova e sim um lugar. Um lugar que se desloca pelo mundo e abriga pessoas felizes, mesmo que estejam em sofrimento físico. A Maratona é minha terra! Quando eu digo "sou maratonista", refiro-me à minha nacionalidade. Meu país Maratona abriga pessoas das mais diversas raças, culturas e níveis sociais. Meu país Maratona me torna igual, lado a lado os com demais corredores, trocando forças pelo difícil trajeto. Lembro-me de quando completei a Maratona de Buenos Aires 2010 e não contive um forte choro, após cruzar a linha de chegada. Um argentino que veio logo atrás me amparou com um abraço de irmão, dizendo não menos emocionado que eu:

- Campeón... Eres un campeón!...

Desabei em soluços sobre seu ombro solidário e depois nunca mais o vi. Meu irmão argentino e eu somos maratonistas, habitantes de um mesmo país que tem 42.195 metros de emoção. ##

Abraço!
Bira.







(...) Aumentei meu ritmo depois de cruzar a esquina. Na farmácia, uma moça que cheirava sabonetes interrompeu o gesto quando percebeu meu vulto do lado de fora. Apareci e sumi em frações de segundo, deixando uma imagem difusa a ser preenchida com a imaginação(...) 



Eu Faço o meu Tempo!


Amigos!

Quando acordei de manhã, eu ainda tinha 54 anos e uma dor de garganta muito chatinha, que prometia se agravar durante o dia. Apliquei spray de própolis nas amídalas e decidi sair para correr. Quando calcei o tênis, a atitude fez minha idade cair de imediato para 48, a mesma do período que eu decidi voltar a correr.

Fora de casa deparei com um céu sem manchas e uma avenida engarrafada onde as pessoas não tinham escolha, a não ser me ver passar. Não dava para correr rente ao meio-fio e eu me equilibrei pela calçada irregular. Atrás dos óculos escuros escondi o orgulho de quem corre. Embriagada de suor, minha camiseta se agarrou ao corpo. Imitando o suor, minha idade também se esvaiu: decresci em minutos para uns 38 anos(!), ganhei mais disposição e segui em frente...

Manhãs comuns têm gente chegando apressada na estação do metrô, tem apito de guarda no cruzamento, avisando que o sinal mudou de cor, e têm sombras compridas bailando no chão. Volta e meia pode até passar um corredor como eu - eles não são muito frequentes no subúrbio, mas passam... Aumentei meu ritmo depois de cruzar a esquina. Na farmácia, uma moça que cheirava sabonetes interrompeu o gesto quando percebeu meu vulto do lado de fora. Apareci e sumi em frações de segundo, deixando uma imagem difusa a ser preenchida com a imaginação. E a moça imaginou que eu tivesse uns 25 anos, mas não estava de todo errada: Era assim que eu me sentia àquela altura.

Se a cada trecho eu ficava mais jovem não era o corpo que mudava. Eu possuía os mesmos parcos cabelos grisalhos e o mesmo rosto cada vez mais demarcado. A mudança era interna, instantânea e inexplicável. A mudança também era única porque dependia do contexto momentâneo: engarrafamento, apito do guarda, moça da farmácia, etc... Peças aleatórias que podem surgir enquanto se corre numa manhã comum. Não, não é contradição mostrar elementos externos para explicar "mudanças internas" ou "inexplicáveis". O fato é que não há limites para quem se movimenta.

Continuei meu trote pelo bairro até que subi uma passarela para cruzar a Avenida Brasil. Já do outro lado, vi alunos concentrados em frente ao portão de uma escola, esperando a sirene tocar. Dois deles se aproximaram para brincar de correr ao meu lado. Aceitei a proposta e, por cerca de 50 metros, brinquei de correr com a dupla que aparentava ter uns 14 anos, cada. Assumi essa mesma idade até a próxima esquina e me despedi dos garotos com tapinhas de mãos. Segui migrando no bairro e no meu próprio tempo até o treino acabar - se é que esses treinos acabam...

Fui trabalhar sem dar conta de que a garganta havia parado de doer. Perceber que eu faço meu tempo era bem mais importante que isso!

Abraços!
Bira.


(...) Tudo parecia perfeito: você e seu Amigo Problema se divertiam feito dois irmãos adolescentes numa tarde de domingo, mas as aparências enganam, não era bem isso (...)


Vento frio e sorrisos no alto da serra, em frente às Torres do Mendanha - foto de Erivaldo Zim.


Problemas não Sobem a Serra


Amigos!

Na sua casa tem uma sala de TV que, entre outras coisas, tem um grande e confortável sofá. Foi nele que o seu Amigo Problema acabou de se sentar. Atrevido, ele se espalhou na maciez, parecendo até o dono do pedaço. Com um clique no controle remoto, acendeu a colorida tela de plasma. Abriu uma cerveja gelada e lhe convidou para sentar ao lado. Sem nada perguntar, Amigo Problema lhe deu um copo suado, espumante e irrecusável da bebida. Escolheu assistir aquele filme que você tanto queria ver, mas que nunca encontrava tempo. Antes de "dar o play", Amigo Problema pediu que viesse uma pizza e ela surgiu coberta de muçarela fumegante, cortada à francesinha.

De fato, o filme era bom e divertido, mesclando comédia e suspense. Seus olhos arregalados refletiam o brilho da tela e só se fechavam na hora do riso. Tudo parecia perfeito: você e seu Amigo Problema se divertiam feito dois irmãos adolescentes numa tarde de domingo, mas as aparências enganam, não era bem isso...

Quem observasse os detalhes da cena ficaria surpreso e chocado: Enquanto você se afrouxava em sorrisos com os olhos na tela, seu Amigo Problema também sorria, mas não era do filme: Ele estava rindo de você!... Envolvido pelas sensações de conforto e prazer, você nem percebia. A maciez do sofá, o cheiro da pizza, o sabor da cerveja, o colorido da tela e os som das caixas acústicas de sua sala de TV... Não bastasse tudo isso, ainda tinha um Amigo, comendo junto, bebendo e sorrindo!... Nem você, nem ninguém poderia imaginar que Problema se comprazia do seu sofrimento que retornaria depois do filme acabar.

Desculpe-me por desiludi-lo, mas seu Amigo Problema é um falso amigo que adora sofá. Ele está sempre ali e, nos dias de hoje, é praticamente impossível evitá-lo.

Falando assim, lembrei daquela velha piada do marido que foi traído no sofá: Para resolver o problema, não se separou da esposa, simplesmente vendeu o móvel... O exemplo veio a calhar, portanto não faça igual. Melhor usar estratégia e fazer aquilo que o Amigo Problema detesta, e ele desaparecerá.

Esta historinha de "sofá e Amigo Problema" surgiu na mente enquanto eu subia correndo a Serra do Mendanha. Éramos dezesseis corredores, na manhã deste sábado, trilhando uma estrada deserta de terra batida. Nove quilômetros de um caminho que serpenteia na mata, subindo em direção às imensas antenas plantadas a 900 metros do nível do mar: Ali não havia problemas, apenas amigos!

Fotos colhidas no treino Subida às Torres do Mendanha.


O Amigo Problema, no entanto, adora sofá. Está obeso e não consegue sequer fazer uma caminhada, que dirá subir a serra!... Perceba: Seu Amigo Problema tem dor nas costas e dificuldade para amarrar os sapatos. Sedento e sedentário, não gosta de berber sozinho. Tal qual um vampiro, esse falso amigo se alimenta da emoção alheia. Seca as almas de suas vítimas como parasitos secam as árvores, para depois apodrecerem abraçados e inebriados na ilusão de uma Matrix. Uma dica importante: Não tente se livrar do seu Amigo Problema, isto não é possível. Mas calma, não se desespere! Simplesmente caminhe, se não der para correr, caminhe!... Problema vai detestar e largar do seu pé: Sendo assim, é o seu Amigo Problema que vai fugir de você!

Na subida da serra cada um de nós, corredores, tinha seu próprio Amigo Problema (como não ter?) no entanto não parávamos de sorrir: Problemas não sobem a serra e ficaram prostrados bem longe de nós!

Abraços!
Bira.



(...) Enquanto eu corria, o céu azul estava ali. Ele abrigava passarinhos graciosos, pipas coloridas, urubus de voo sereno, nuvens robustas e um avião que vai para New York (...)

Montagem com recorte de foto pessoal e a imagem difusa do Shopping Via Brasil (Google Maps)...

Como a Corrida Dilui os Problemas?

Amigos!

Bastou que eu voltasse a correr para o mundo se mexer à minha volta. Pessoas, carro, árvore, casa, chão... O chacoalhar do movimento mistura tudo no olhar. Enquanto se corre, não dá para detalhar as imagens. Os sentidos se voltam à preservação da integridade física: A visão percebe o chão que está próximo ou a cinco, dez, vinte metros à frente. Ela atenta aos carros que surgem na esquina, à pipa voada que arrasta uma criminosa linha com cerol... A audição de um corredor, nas bordas do trânsito, está alerta ao barulho de um caminhão que se aproxima fora do campo da visão. O tato dos pés, mesmo protegidos, percebe o piso num trecho irregular, garantindo equilíbrio.

Neste estado de alerta cruzei a esquina e deparei com o Otimismo. Ele não tinha forma nem educação. Adentrou invisível pelas minhas narinas, invadiu o meu peito e, pela milésima vez, converteu minh'alma. Era mais um daqueles momentos em que todos problemas se tornam solúveis... Tentei me portar friamente e analisar o fato, pensando comigo mesmo:

- Como pode a corrida diluir os problemas mais difíceis?...

Foi quando um caminhão betoneira, mexendo concreto, quase parou ao meu lado. Na retenção do trânsito, em frente ao Shopping Via Brasil, eu sorri - achando que o fato era uma resposta velada à pergunta que eu acabara de fazer a mim mesmo:

- A corrida dilui problemas feito betoneira misturando concreto. Enquanto se corre, o olhar confunde os objetos (pessoas, carro, árvore, casa, chão e etc.) nas ilusões de ótica; o otimismo invade a quem o percebe sem entender como isso acontece... É que tudo perde a identidade individual. Tudo se mescla e integra um só elemento. É nessa hora, aparentemente confusa, que a mente descobre as soluções mais simples para os problemas da vida. É quando os problemas e as soluções se apresentam ao mesmo tempo, e se neutralizam, no universo indistinto das imagens difusas. Enquanto se corre, o mundo é uma betoneira sem limites circundada pela ilusão azul do céu...

Enquanto eu corria, o céu azul estava ali. Ele abrigava passarinhos graciosos, pipas coloridas, urubus de voo sereno, nuvens robustas e um avião que vai para New York... Cada uma dessas coisas aparentando serem objetos distintos, mas não eram, pois eu estava em movimento, vendo tudo se mesclar no meu entorno - otimista e diluído num universo indescritível...

Voltei!

Abraços!
Bira.


"(...) E Antônio Carlos lembrou que era atleta e às duas da madrugada, entre as esculturas de anjos e os sombrios e ciprestes, pôs-se a correr no campo dos mortos(...)"


Correndo no Cemitério


Montagem com foto pessoal de Antônio Carlos de Carvalho correndo no Cemitério de Verano, em Roma.

Amigos!

O frio intenso, da madrugada, circulava pelas ruas desertas de Roma e tinha um único companheiro: o brasileiro Antônio Carlos de Carvalho. Era março de 1993 – mês de inverno rigoroso e temperaturas tão baixas quanto a postura de cabeça daquele caminhante noturno, pelos arredores do Cemitério de Verano. Se a cidade dormia tranquila, Antônio não tinha a mesma sorte. Suas preocupações espantaram seu sono mais uma vez e caminhar pela noite foi um jeito de tentar resgatá-lo. Deprimido e se sentindo só, apesar de residir numa casa com mais oito brasileiros que, como ele, buscavam emprego em Roma. O ambiente na casa não era bom, melhor a companhia do frio. Alguns de seus amigos se drogavam ou ficavam embriagados e ele só tinha o dinheiro suficiente para pagar mais um mês do aluguel que dividia. Se não arrumasse biscates logo, voltaria frustrado para o Brasil onde ficaram esposa e filho.

Ao seu lado, o muro alto e imensamente longo do cemitério parecia intransponível. Perdido nos pensamentos Antônio caminhava e olhava para a parede de tijolos expostos, até que surgiu uma parte de muro quebrada, formando um acesso improvisado. Transpôs a passagem e deparou com ruas lisas e desertas, circulando e entranhando as quadras de túmulos. O brasileiro de São José do Goiabal, interior mineiro, não teve medo de assombração - ele já possuía seus próprios fantasmas... Lembrou que era atleta e às duas da madrugada, entre as esculturas de anjos e os sombrios e ciprestes, pôs-se a correr no campo dos mortos.

ONZE ANOS ANTES

Estamos maio de 1982. É manhã de um domingo de sol no bairro do Tatuapé, Zona Leste de São Paulo. Os funcionários do Grupo Santista chegam afoitos para o campeonato de atletismo da empresa, no complexo esportivo situado atrás da fábrica de tecidos. Entre eles está o jovem Antônio Carlos, que fora ali, apenas para jogar futebol. Ao chegar, no entanto, viu vários corredores se preparando para iniciar uma competição de pista. Curioso, aproximou-se e perguntou se poderia participar. Poderia; e sem nenhum preparo ganhou as duas corridas, de 1.500 e 3.000 metros, além de um convite para compor a equipe de corredores da Santista, feito por um impressionado treinador. No ano seguinte, o atleta já obtinha bons resultados nas competições e, certo dia, estava treinando no Parque Piqueri, quando avistou a equipe de corredores do Corinthians. Ousou se aproximar e pedir para fazer parte. Como resposta, o rigoroso treinador José Roberto lhe encarou e disse:

- Com nós você vira atleta ou morre! - para riso geral.

Tal resposta soou como um incentivo para Antônio Carlos. Era sua oportunidade de treinar com grandes atletas. Estaria entre os feras!... Mas foi logo apelidado de Cheira-Meia, já que era o último da fila nos treinamentos e competições. O Cheira-Meia continuou ali, ganhando experiência entre seus pares da elite. Certo dia, o técnico aplicou um treino que envolvia toda a equipe. Ao todo seriam percorridos 18 km na pista, da seguinte forma: Os primeiros 9 km seriam corridos no ritmo de 4 min. por km (4X1) e os 9km finais, no ritmo de 3min. por km (3X1). A cada 3 km, os atletas teriam um minuto de intervalo para recuperação.

A largada foi dada com toda a equipe e Cheira-Meia assumiu o lugar que lhe cabia, no final da fila. Ao término da primeira etapa, Cheira-Meia continuava na rabeira, mas sentia que estava bem e não quis se precipitar, seguindo na retaguarda. Quando o treino atingiu os 3.000 metros finais, o desgaste dos atletas já era evidente. Cheira-Meia simplesmente resolveu passar um a um, deixando para trás até quem tentou resistir. Seu técnico sorriu percebendo que o atleta,  nas últimas voltas, havia rodado muito abaixo dos 3X1 estabelecidos. A partir de então, o Ex-Cheira-Meia ganhou respeito geral, sendo convidado para todas as provas e torneios onde estaria a equipe.

Ao entrar para a elite, Antônio Carlos participou de corridas na Capital e Interior paulista, além do Sul do Brasil. Ganhou prêmios e patrocínios em consequência de um programa de incentivo ao esporte do Governo Sarney.  Somou esses rendimentos ao salário percebido na Santista e pôde se casar, em 1985. Cinco anos depois, com a troca de governo o programa de incentivo foi cortado e ele figurou entre os mais de 200 atletas órfãos. Não seria possível sobreviver em São Paulo, em 1992, mantendo mulher e filho, com os pífios dois salários mínimos que recebia na Santista. Enquanto a ministra Zélia Cardoso de Mello assustava o Brasil com o confisco da caderneta de poupança, Antônio abarrotou suas malas e partiu com a família de volta para João Molenvade, cidade vizinha à São José do Goiabal - onde nasceu.

Em João Molenvade, tentou vender pastéis e sucos de fruta, enquanto prestava concursos públicos para vários órgãos, sem obter sucesso. Formou um grupo de corredores com objetivo de atrair jovens e crianças carentes, denominando-o  ACORP - Associação de Corredores de Pista e Rua. As alegrias da corrida pelo interior, no entanto, não pagavam dívidas. Foi quando, no início de 1993, Antônio decidiu vender sua moto e comprar passagens para Roma, onde tentaria arrumar trabalho e dinheiro.

Antônio chegou à Itália com o dinheiro suficiente para três meses de aluguel. Economizava ao fazer refeições gratuitas na Caritas de Roma. Permaneceu dois meses em frente às lojas de materiais de construção, se oferecendo como ajudante de pedreiro, sem nada conseguir. Quando não estava ali, perambulava pelas ruas para aprender o idioma, já que na casa em que morava só havia brasileiros. Se o dinheiro não lhe tocava às mãos, via o tempo escorrer entre seus dedos. Quando o sol de Roma se deitava uma lua deprimida surgia diante de seus olhos trazendo o medo, a insônia e a depressão. De repente, o muro quebrado do cemitério lhe convidou a entrar e deparar, com a inusitada pista. Só lhe restava correr pelo campo santo e tentar exumar as emoções de seus melhores dias. Mesmo que fosse duas horas de uma madrugada fria. Mesmo que seu público visível fossem as imóveis estátuas e o invisível não pudesse se manifestar. Mesmo com tudo isso, Antônio Carlos de Carvalho estava de volta ao atletismo!

... Continua na Parte II

- Link para conferir as três postagens desta série Antônio, Boca e Coração!: 
http://www.birananet.com/search/label/Antonio%20-%20Boca%20e%20Cora%C3%A7%C3%A3o


Abraços!
Bira.


(...) Já paguei três meses de musculação e não frequentei nenhum dia. Sei que estou perdendo dinheiro, mas hoje eu quero é correr e passar por ruas onde nunca pisei (...)


Cristo do Subúrbio, montagem com fotos da internet - Bira, 28/10/15.

Onde está a Beleza do Rio?

Amigos!

Embora precise, eu não conseguiria malhar dentro de uma academia nesta manhã tão clara. Por mais amplo que fosse o janelão da academia, eu me sentiria recluso. Depois de ter passado a noite fria embaixo do edredom, agora tinha um sol me convidando para correr.

Esta manhã de inverno possui ar fresco e nenhum chamusco de nuvem maculando o azul do céu. É certo que vai esquentar, mas os raios solares ainda provocam sombras enviesadas no chão. Já paguei três meses de musculação e não frequentei nenhum dia. Sei que estou perdendo dinheiro, mas hoje eu quero é correr e passar por ruas onde nunca pisei. A sensação de estar perdido, enquanto corre, aguçam os sentidos. Provoca insegurança não saber o que surgirá depois da próxima e inédita esquina. É preciso ficar atento, e isto aumenta a percepção do mundo ao redor.

O subúrbio do Rio não tem mar nem a chamada “gente bonita” que desfila de biquíni ou bermudão. As calçadas não têm pedras portuguesas e alguns terrenos viraram lixão. Quando saio de casa, em Irajá, para correr meus longões, a tendência é seguir em direção ao Centro e Zona Sul.

- Pelo menos posso encerrar o treino dando um mergulho no mar e bebendo água de coco - penso.

Mas hoje farei diferente: Para onde vou?... Não sei.

Optei por seguir na contramão do metrô, de Irajá até pouco antes da estação Colégio. Adentrei numa rua à esquerda, achando que estaria seguindo para Rocha Miranda, mas abandonei o curso na próxima esquina. Algumas novas mudanças de trajeto e percebi que não sabia mais onde estava (que beleza!). O cronômetro deveria estar marcando uns 20 minutos e eu já “me perdera”. Vibrei, enquanto um vira-lata faminto, sentado na calçada, sequer me via passar.

Correndo no asfalto, rente ao meio-fio, percebi que a COMLURB passou por ali, deixando a rua limpa... “Até quando?”, pensei. Diante dos muros pichados, mal construídos ou sem reboco, as pessoas desprezam a limpeza das calçadas jogando tudo no chão.

- Onde está a beleza do subúrbio? - me perguntei.

Mais uma esquina e dei de cara com a estação Coelho Neto do metrô. Já sabia de novo onde pisava e prossegui no sentido Pavuna. Cruzei sob a Av. Brasil e me embrenhei as ruas de Acari. Não dava para me perder ali, mas poderia seguir para a Baixada. Margeei um rio largo, poluído e assoreado, um conjunto residencial de prédios populares e a linha férrea num trajeto de uns cinco quilômetros. Dentro do rio vi urubus disputando uma “refeição”, e me perguntei:

- Onde está a beleza da periferia?

Se por um lado, o solo não apresentasse tanto atrativo, por outro, a luminosidade do céu aumentava e dava mais vida ao azul. Nesses três quartos de hora vi três aviões passarem, rumo ao Galeão, sem nuvens para perfurar. Mantive o ritmo moderado das passadas (uns 10km/h) e minha respiração estava tranquila. A apenas quatro dias da Meia Maratona não se deve forçar.

Não devia faltar muito para chegar a Pavuna, quando o longo muro da estrada de ferro recuou, revelando uma cancela que me deu a opção de virar à esquerda. Uma placa dizia ser caminho para Anchieta. Aceitei a sugestão e experimentei de novo a sensação de alerta – em que bairro eu estava?

Mantive-me na estrada onde corre o trânsito para não entrar em terreno hostil. Passei rente a uma favela e cruzei uma área industrial. Vi barraca que vendia pão-com-“linguisa” na frente duma fábrica; um catador de garrafas; uma égua encardida amarrada no pasto; uma sucata de carro incendiado...

- Onde está a beleza?...

Mas não deixo de lembrar um sabiá ciscando insetos no gramado e um belo casal de galinhas d’angola que poderia ser um despacho vivo. Mais adiante galinhas caipiras eram criadas soltas numa área mais bucólica. Esquinas passavam e o trânsito ficava intenso, até que desembocou num pequeno shopping que tinha o nome do bairro: Guadalupe. Olhei pro relógio que marcava pouco mais de uma hora de treino e pensei:

- A Av. Brasil passa por aqui, melhor voltar por ela.

Um transeunte me indicou uma rua à esquerda e eu segui. Antes de chegar à Brasil, descobri uma pista de caminhada que margeia um rio naquele local, da mesma forma que ocorre na Vila da Penha.

Na volta pela avenida, outros quatro aviões passaram, desta vez no mesmo sentido que eu. De Guadalupe à Irajá, absorvi barulho e gás carbono em níveis aparentemente suportáveis. Depois de passar em frente ao CEASA, abandonei a aquela via e corri mais uns quatro quilômetros nas ruas de Irajá. Encerrei o treino (de 1h 56min) e entrei no sacolão para comprar couve, conforme o pedido de minha mulher.

Qualquer dia desses voltarei a percorrer esses recantos do Rio onde a beleza não salta aos olhos. Onde o esvaziamento econômico atirou suas vítimas e encobriu o encanto daquele povo. Quero acreditar que beleza da periferia está apenas encoberta, reunindo forças para brotar dos escombros. Um dia ela vai ressurgir, bem antes que se cumpram as promessas de ressurgimento do Redentor. Se o Redentor continua aprisionado nas páginas do Livro Sagrado, onde está exilada a beleza do subúrbio? Se o subúrbio faz parte do Rio, onde está a beleza do Rio?

(Texto reeditado e modificado em 28/10/15)

Abraços!
Bira