Gimara Encontra Gilmara

By | 03:08:00 17 comentários

Gilmara Encontra Gilmara

Amigos;

Montagem com recortes de fotos do perfil da Gilmara no Facebook...


A luz amarela do sol da manhã banhava de ouro as casas de Cordovil e realçava o bronze da pele daquela moça, que caminhava na calçada. Seus cabelos fartos estavam presos e  seus olhos ainda continham o brilho das estrelas que a pouco se apagaram. A moça vestida de atleta, refletia no olhar sua paixão pela corrida, horas antes de uma competição.

O movimento é sempre pouco nas primeiras horas de um domingo suburbano. O frescor se mistura ao silêncio e é possível ouvir o canto distante de um galo. Àquela hora, poucos vira-latas ainda xingam quem passa. Poucos carros soltam rosnados, babando fumaça. O tempo não quer correr para quem espera. Então a corredora consulta o relógio e, no gesto, percebe que alguém se aproxima. Era uma mulher de salto alto, vestido justo, dourado com paetês cintilantes. "Nossa!... Que show! Deve ser uma passista" - concluiu a corredora com pensamentos e sentidos tão velozes que pareciam transformar os movimentos daquela mulher em câmera lenta.

- Bom-dia, corredora! - sorriu a mulher, sem reverência - Vai correr hoje?

- Ah, se vou!... Depois de quatro meses treinando, chegou o dia da meia-maratona!

- Que inveja, amiga! - a suposta passista já falava com a intimidade de velha amiga - você saindo pra correr toda esportiva e cheia de vigor, enquanto eu estou chegando mortinha do ensaio da Escola...

- Eu é que tenho inveja! - devolveu a corredora - você toda lindona nesse salto magnífico, tenho até de olhar pra cima pra falar contigo! Logo vi que você é passista... Mas é de qual Escola?

- Da São Clemente, com muito orgulho!... O ensaio de hoje foi show!

- E agora, vai dormir o dia todo?

- Que nada! Vou dormir um pouco e depois levar minha filha para escolher o seu presente de aniversário - 16 anos!

- Você já tem filha com 16??

- Quantos anos você pensa que eu tenho, corredora?... Tenho sim, uma filha linda, muito amiga, que me ouve e me dá conselhos... Isso mesmo: ela ficou madura antes do tempo, eu acho... É muito inteligente, extrovertida e carente... assim como a mãe... - a passista respirou um pouco para não perder a cadência e continuou: - Minha filha está fazendo o 2º Grau e um curso de comércio exterior, mas ainda quer se descobrir profissionalmente. Há três meses fomos ao oftalmologista e descobrimos que ela tem uma doença degenerativa nas córneas, sem cura e progressiva, chamada ceratocone. A notícia foi como uma facada no meu peito, fiquei depressiva e me afastei das coisas que mais amo. Até que a ficha caiu e eu consegui procurar ajuda. Eu tento fazer de tudo para tornar a vida dela o mais normal possível.

- Nossa!... Que mãe maravilhosa você é!...

- Nem sei como estou falando tudo isso, mas você me inspira confiança. Mas fala de você, corredora: Como arruma tempo para treinar?

- Acordando muito cedo e me juntando aos amigos corredores... Depois vou pro trabalho - sou analista de sistemas, responsável pelas informações da empresa em que administro toda parte de TI, voz, dados e equipamentos. Dou suporte a usuários, implanto sistemas, dou manutenção no site e no sistema corporativo, compro material de informática e software, instalação e configuração de servidores, backups e upgrades... Não é uma tarefa fácil!

- E mesmo assim dá pra correr? - perguntou a passista.

- É justamente por causa disso que hoje estou correndo!... Explico: Em novembro de 2009, a rede da empresa foi invadida por hackers e começou meu pesadelo - trabalhei dia e noite para recuperar todas as informações infectadas. Perdi noites de sono e trabalhei sobre pressão. A empresa teve que parar por três dias e isso me causou um transtorno imenso... Pensei que nunca mais fosse colocar a firma em pé novamente, mas consegui! Quando tudo estava terminado, comecei a passar mal do nada, na rua. Ter medo de coisas simples e triviais... de sair à rua, de tudo. Pensava que iria morrer a toda hora - uma sensação horrível que não desejo a ninguém! Desmaiava com medo de atravessar a Av. Presidente Vargas. Barulhos e tumultos faziam minha pressão subir. Nas crises, fui internada várias vezes. Não atendia ligações de amigos, vivia deitada no escuro e sozinha. Não assistia TV, nem ouvia música. A vida não tinha graça. Os remédios receitados me deixavam sonolenta a maior parte do dia, sem sorrir ou expressar nenhuma emoção. Minha família também começou a sofrer com isso, principalmente minha filha e minha mãe. Um belo dia fiz uma pequena oração pedindo a Deus que me enviasse o profissional que me curaria e assim Ele fez. Por desistência de uma paciente, no mesmo dia, consegui consultar-me com um médico que me receitou remédios simples e baratos e afirmou que eu estaria boa em 15 dias... Eu acreditei. Demorou um pouco mais, acho que 2 meses, mas foi aí que comecei a viver. Comecei a malhar e a praticar corrida aqui no bairro com os amigos que já corriam. Gostei tanto e isso me fez tão bem que logo me inscrevi na Corrida Vênus de Mulheres. Chamei algumas amigas e minha família ficou muito contente com a mudança. Recebia apoio de todos, família e trabalho. Corri os 10 km em 47 minutos - um excelente tempo para uma iniciante, foi quando minha empresa começou a me patrocinar nas corridas. Então treinei com acompanhamento profissional e consegui vários pódios. Conheci muitos lugares e amigos. Foram mais de 90 corridas até hoje, inclusive fora do estado e do país. A corrida me inseriu em várias outras atividades. Trouxe muita alegria e amigos maravilhosos. Devo à corrida a minha nova vida de saúde e felicidade!...

Nessa hora uma van cheia de atletas parou do outro lado da rua e buzinou. A corredora se despediu da passista, que estava surpreendida com o que acabara de ouvir, e na pressa partiu:

- A gente se encontra! - disseram ambas ao mesmo tempo.

Quando se deram contas de que não anotaram os telefones ou sequer perguntaram o nome, uma da outra, o carro já havia partido.


*           *          *

Quando a passista chegou em casa, sua filha ainda dormia. Com cuidado para não acordá-la alisou seus cabelos e beijou sua testa. Desceu dos saltos para escovar os dentes e tomar um banho. Vestiu a camisolinha e foi dormir um pouco. Sonhou que a São Clemente havia sido a 1ª colocada do Carnaval Carioca e que no Desfile das Campeãs, uma platéia de corredores lotava as arquibancadas da Marquês de Sapucaí, aplaudindo esfuziantemente a sua escola.


Enquanto isso, a corredora dava largada entre outros 10 mil atletas na Praia de São Conrado. Depois de subir e descer a Av. Niemeyer e não ter certeza se seu corpo apenas suava ou também chorava de emoção, desembocou na Praia do Leblon. Em Ipanema, estabilizou as passadas. Em Copacabana, superou o cansaço. Na Enseada de  Botafogo, recebeu as bençãos do Cristo e absorveu, no Aterro, toda força oriunda da imensa pedra que forma o Pão de Açúcar. Sentiu o gosto doce da vitória, ao cruzar a linha de chegada. Conferiu no relógio que fizera seu melhor tempo em uma meia-maratona, estando entre as primeiras de sua faixa etária. Sorriu, abraçou e curtiu os amigos. Tirou fotos, fez novas amizades... viveu!

Quando voltou para Cordovil já era mais de uma da tarde. Desceu da van na mesma esquina onde cedo embarcara, e para onde o sol, longe da brisa do mar, dispara seus raios ofuscantes. Então a corredora consultou o relógio e, no gesto, percebeu que alguém se aproximava. Era uma mulher sem salto alto, sem vestido justo ou paetês cintilantes, mas com o inconfundível sorriso de passista, que falou:

- Boa-tarde, corredora!... Como foi a corrida?

- Excelente!... Mas que bom que você apareceu! Nem tinha perguntado seu nome ou dito o meu, de manhã...

- Eu sou Gilmara!

- Peraí, você tá brincando?!... Eu também sou Gilmara!... E duas Gilmaras no mesmo metro quadrado é superpopulação!


Então as duas sorriram como sorriem as Gilmaras. Tagarelaram como tagarelam as Gilmaras. Se emocionaram como se emocionam as Gilmaras e num abraço de Gilmaras se fundiram, transformando-se milagrosamente numa só pessoa - corredora, passista, trabalhadora e mãe!... Sendo apenas uma, seus diálogos se transformaram em pensamentos. Sem entender o que ocorria, Gilmara beliscou-se para ver se não estava sonhando. Não estava. A multi-Gilmara era uma só! O lado mãe, no entanto, tomou as rédeas da ação e partiu para casa, onde sua filha de 16 anos, nem fazia ideia do abraço que receberia.

Quando abraçou sua filha, Gilmara mostrou na prática a essência daquilo que quis dizer ao finalizar o último e-mail que me enviou:

"... mas somos felizes! Deus sempre conforta nossos corações e nos ensina a lidar com as dificuldades."

Imagem 1 - montagem com Gimp, utilizando fotos do perfil do Facebook de Gilmara;
Imagem 2 e 3 - fotos do perfil de Gimara no Facebook;
Filme 4 - Youtube.

Abraços!
Bira.


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17 comentários:

Falou o grande poeta Bira, muito bom contar de forma poética a história da nossa querida Gilmara, showwww...Essa mulher é demais!!! Parabéns!!!

Bons treinos,

Jorge Cerqueira
www.jmaratona.com

Gilmara disse...

Nossa!!!! que linda homenagem amigo, confesso que acabei de me emocionar bastante! Ler minha vida, minha história contada de forma tão sensível e real por uma amigo, é algo supreendente. Muito Obrigada, meu amigo, poeta e artista Bira! EU TE DEDICO AMIGO!!!
Um grande BEIJO EM SEU CORAÇÃO!
Gil

OZEIAS CARLOS disse...

BIRA PARCEIRO VC É SHOW E ESSA LINDA HISTORIA DA LINDA GILMARA FICOU ''1000'' .

Obrigado Ozéias, e um obrigado (atrasado) ao Jorge Ultra... Apesar de ter corrido com a Gil, eu conhecia muito pouco sobre ela. Quando fui fazer essa postagem não conhecia sua história e pensava em produzir um texto menos elaborado - apenas falando de uma corredora passista. Mandei algumas perguntas para ela e ela me retornou com um e-mail surpreendentemente sincero e revelador... Ali havia muito mais!... Em princípio, eu não sabia nem como começar. Quando tive a idéia de fazer uma corredora (Gil) encontrar-se com uma passista (a própria Gil), quase relutei achando que aquilo poderia não dar certo, mas fui em frente. O melhor foi utilizar nos diálogos as próprias palavras da Gil colocadas nos e-mails que me enviou. Já o desfecho, surpreendeu a mim mesmo!... Em suma, poucos textos que escrevi me deram tanto prazer quanto este. Depois disso, nunca mais encontrei Gilmara que andou machucada e está voltando. Posso dizer que a Gil é uma musa inspiradora e que a sua maior beleza está na alma...

Anônimo disse...

Ubiracy Rezende (Bira) - Parabéns pelo sensacional texto. Conseguiu colocar emoção verdadeira numa verdadeira e linda história. Sua missão agora é não deixar a Gil sumir das corridas. Parabéns você é um poeta!
Abçs

Vicent Sobrinho

Adorei a história. Parabéns!!!!

Obrigado, Vicent pelos generosos elogios! Fico muito feliz e recompensado... A Gilmara já está voltando a correr e sambar. Que Deus proteja suas belas pernas!

Obrigado Corredores de Ultramaratonas, espero continuar correspondendo com boas postagens!

Sérgio disse...

Ficou EXCELENTE Bira!!! Tocou um lado que não conseguimos enxergar, só quem vive uma situação dessa sabe. Adoro a Gilmara. Parabéns.

Anderson - Ilha disse...

Que história bacana !!Show !!

Obrigado Sérgio e Anderson! Continuarei colocando outras histórias de corredores aqui, difícil será conseguir superar essa.

Nilo Resende disse...

É a corrida transformando as pessoas! Parabéns Bira, por nos apresentar a bela história da Gilmara.
Abraços!
Nilo

Isabela Heusi disse...

Além de poeta, você é uma pessoa de muita sensibilidade, Bira...
Deus te deu a luz necessária para escrever esse texto lindo e que mexe com qualquer um..
Que Ele te abençoe sempre e faça você alcançar todos os teus objetivos.
Que te dê muitas bênçaõs e cuide do seu caminho.
Que faça da sua estrada a mais bonita das estradas...
Beijo no seu coração

Obrigado Nilo pela visita ao blog e ter deixado seu recado aqui. Continue visitando essa sua casa virtual e, se puder, compartilhe e divulgue BiraNaNet entre seus contatos. Abs!

Obrigado Isabela, minha mais nova leitora... Espero continuar escrevendo postagens que lhe agradem. Continue por aqui e me ajude a divulgar BiraNaNet. Bjs!

Isabela Heusi disse...

Leitora e seguidora...

Gostei muito do seu blog, Bira.
E, sempre que tiver um tempinho, estarei lendo suas histórias que me agradam bastante.
Uma hora a gente se encontra pra conversar um pouco.

Beijos, querido

Jaqueline Pink disse...

Texto maravilhoso simplismente amei!! e ela é lindaaa com esse sorriso!