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Amigos!

Gif animado, montado com recortes de imagens extraídas na internet - Bira
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Poema do Corredor Machucado


Machucado,
Essa prova eu não corro.

Frustrado,
Às recordações recorro:

De quando eu corria
No plano e no morro!...

De quando eu fugia
No latir do cachorro!...

Acuado,
Feito o cão que leva esporro.

Amuado,
Ergo a mão que quer socorro:

Quando resgatarei
Meu projeto e meu louro?

Quando restaurarei
Meu concreto e meu couro?


Sentado, eu corro para os versos
E tropeço no controverso...
Embaralho a cabeça...
Esqueço a métrica...
Escapo da rima...
Me emputeço!
Me revolto!
Sumo!
(...)
Ressurjo!
Sonho de novo!
Mergulho na incoerência!
Dou largada em corrida surreal...
São quarenta e dois MIL quilômetros...
Respiro, suo, sinto calor, frio e arrepio na chegada...
No pódio, não ganho medalha mas um tablet com tela acesa.


No tablet está escrito SOCORRO!...
Mas minha mente confusa traduz para:
SÓ CORRO!
(...)
CORRO SÓ!
(...)
CORRO!...
(...)
SÓ!...
(...)
CORRO!
(...)
SOCORRO!!!

Abraços!
Bira.




Amigos!


Correndo no Texto - gif animado produzido com Gimp e Paint - Bira, 10/07/15.



Onde está a Corrida neste texto?

Ontem à noite eu saí do trabalho e segui caminhando pela Avenida Rio Branco. A rua mais conhecida do Centro do Rio está tomada por obras do VLT (veículo leve sobre trilhos). De suas quatro pistas sobraram duas, abarrotadas de ônibus que parecem búfalos em um curral. Eles flatulam petróleo no ar, enquanto disputam cada centímetro de asfalto.

Tudo se mostrava confuso no cruzamento com a Nilo Peçanha. O apito incessante do guarda despontava no burburinho do trânsito. Um rapaz tatuado tinha fones nos ouvidos e, isolado de tudo, volta-e-meia esbarrava em alguém. Um cone caído no meio do asfalto parecia gemer sob as rodas de um veículo. Um pedinte gemia (de verdade?), sentado na calçada de um banco fechado. Uma senhora, mais assustada que precavida, abraçava sua bolsa para não ser roubada... Finalmente o sinal de pedestres se abria e aquela gente apressada cruzava entre si, no meio da pista.

Onde está a Corrida neste texto?

Próximo à Candelária, esquina com a Avenida Presidente Vargas, a impaciência pairava nas luzes vermelhas dos sinais de trânsito. Aparelhos de ar condicionado cuspiam gotas d'água nas calçadas, assustando as pessoas que têm medo de chuva. Motocicletas serpenteavam nos corredores dos carros parados na pista, assustando as pessoas que não esperavam o sinal fechar para atravessar a rua.

Tudo era tenso, tanto quanto as notícias penduradas nas bancas de jornal. Aquelas mesmas bancas que quase não vendem mais os jornais de papel que ninguém lê. Agora quem entra nas bancas não é mais atraído pela bala perdida da manchete, mas pelas balas e doces expostos em potes. Os tempos de hoje portabilizam as notícias no display do smartphone. Enquanto as pessoas se apressam para atravessar as dez pistas da Presidente Vargas, esses aparelhinhos não param de apitar ou vibrar, na bolsa ou no bolso. Do outro lado da rua, camelos ou cadeiras de uma lanchonete tomam conta da calçada. Mas ninguém dá bola para o fato, eles só querem pegar um ônibus e chegar em casa.

Onde está a Corrida neste texto?

Para colocar a Corrida neste texto eu preciso voltar três anos no tempo. Quando eu treinava para correr maratonas e tinha que cobrir mais de 100 quilômetros semanais. Não me restava outra alternativa senão correr à noite, ao sair do trabalho. Trocava de roupa em uma academia próxima à Praça Mauá, quando ainda estava escurecendo. Corria, ida e volta, do Centro até Copacabana. Quando voltava, percorria quase toda a Avenida Rio Branco. Tudo bem que ainda não tinha as obras do VLT e o auge do horário de rush já havia passado, mas ainda circulava muita gente na ex-Avenida Central. Eu pouco ligava para quem estranhasse me ver correndo ali. Eu estava dando o meu jeito de cumprir a meta semanal.

Mas o que eu quero mesmo dizer, é que quando eu ali corria, não via ônibus virarem búfalos nem o rosnar tenso das motos e de toda gente que não quer esperar para atravessar a rua. Nada afetava meu humor, depois de correr na Praça XV, Aterro, Botafogo e Calçadão de Copa. Quando eu chegava em frente ao Hotel Copacabana Palace consultava o Garmim, para ver se meu tempo fora bom. Comprava uma garrafinha d'água e voltava a correr. Iluminado pelas luzes noturnas do Aterro, tomava todo cuidado para não tropeçar no retorno. Sem saber, eu estava no melhor de minha forma, muito acima das tensões urbanas.

Ontem na Rio Branco eu me peguei tenso e impaciente, como toda gente que não sabe o que é correr. Natural, estou sem correr há oito meses e esperando por melhores dias. A corrida não está na minhas pernas, mas não sai da minha cabeça e invade meu texto. A corrida está aqui, no lado radiante de um texto urbano, feito por quem acredita que seus melhores dias voltarão!

Abraços!
Bira.



(...) Treinos solitários são ideais para reavaliar a vida, já que o corpo em movimento injeta na alma o otimismo (...)

Composição com recortes de imagens da internet e foto pessoal - Bira, jan/14.

Solidão Amiga


Amigos!

Está difícil treinar no Rio, mesmo que seja agora, às 19 horas!... Quando o calor da tarde amolece os relógios, a luz do sol se aproveita e rompe os limites da noite. Mas não adianta reclamar do que é bom para muitos, e eu decido correr pelo menos uns 10 km. Ajusto o Garmin e projeto na cabeça um percurso. Começo a treinar, mas não dura 10 minutos e o relógio se apaga por falta de recarregamento. Mudo meus planos e passo a correr sem ritmo nem rumo. Sigo de bairro em bairro, para onde o nariz aponta. Sob meus pés passam Irajá, Largo do Bicão, Cordovil, Brás de Pina, Penha, Olaria e Ramos... Enquanto eu corro, o sol se cansa de ficar pendurado e os faróis começam a se acender. Quando o céu escurece, de fato, estrelas desiludidas se escondem atrás das luzes artificiais da cidade. Meus olhos, no entanto, não estão no céu. Eles seguem atentos aos desníveis e buracos do caminho agora turvo.

A força do hábito me faz consultar, várias vezes, o visor de um relógio apagado. Estou só e sem aparatos, mas correndo o dobro do que havia planejado. É mais um treino solitário que faço. É mais uma oportunidade para redimensionar os problemas, com a mente revigorada.

Lembro-me de outros treinos assim: Já experimentei a sensação de "me perder", num deles, ao passar em ruas desconhecidas. Já acelerei a passada e o coração para sair de áreas de risco. Já fui parte dos mais ermos lugares de onde aderi novas visões da cidade e me vi espelhado nos olhos de gentes diversas. Estranhamento e repulsa, identidade e admiração são reações naturais e opostas de variadas pessoas diante de mim. Nada demais, cada um nós pode sentir o mesmo perante si próprio... Treinos solitários são ideais para reavaliar a vida, já que o corpo em movimento injeta na alma o otimismo.

Indico a todos meus amigos corredores os treinos solitários, treinos soltos, desprovido das medições de tempo ou espaço, providos da percepção que nos conduz ao Encontro! ###

*      *      *

Criei uma etiqueta reunindo várias postagens inspiradas em treinos solitários que fiz. Esta coleção pode dar a ideia do que significa correr sozinho (confira clicando no link):  

http://www.birananet.com/search/label/Solid%C3%A3o%20Amiga

*      *      *

Abraços!
Bira.


Amigos!

Gif animado com recorte de foto pessoal - Bira, 10-12-13.

Correndo no Paraíso de um Momento X


Só sabia que ali tinha ar porque estava respirando: nenhuma gota de vento e rajadas de suor... Quarenta toneladas de sol faziam os poucos que passavam se afugentarem nas sombras. Apenas os ponteiros dos relógios trotavam como eu, eles nos arredores das onze da manhã e eu nas proximidades de Costa Barros. Fazia muito calor nos intestinos da cidade - desculpe falar assim, não me leve a mal - mas eu estava correndo nas fronteiras da cidade, a cerca 40 km de Copacabana, onde os carros e trens passavam rápido e um rio assoreado exalava chorume. Mais um pouco e chegaria à Baixada Fluminense. Antes, precisava encontrar um posto de gasolina com Gatorade e água gelada para beber, me banhar, abastecer, sobreviver e continuar.

Ao meu lado surgiu o muro alto e cinzento da estrada de ferro. Ele não produzia sombra, mas regurgitava sobre mim todo calor que bebeu, além disso, cobria grande parte da paisagem. Só soube que o trem passou, do outro lado,  pelo seu barulho e vibração. Imagino que ele estivesse vazio e fosse passar em Nilópolis. Sorri e falei para ninguém ouvir: "Me espera lá que eu tô chegando!". Logo, surgiu um longo barranco com cerca de 20 metros de altura, na outra margem da estrada, e me fez lembrar as falésias das Praias de Pipa...

Foi há apenas três dias. Naquele mesmo horário e com aquele mesmo sol eu corri em Pipa descalço, vestindo apenas short e protetor solar. Nas areias paradisíacas, fui levado pelo silvo dos ventos. Quilômetros e horas passaram despercebidos enquanto meu olhar curioso empurrava o cansaço para a próxima praia do litoral potiguar. Se o calor aumentasse eu dissipava num mergulho. Eu não queria parar...

Logo voltei para o Rio e não quis correr nos seus belos lugares. Escolhi percorrer um roteiro desvalido em um dia escaldante. Com a memória ainda bem recente, eu quis comparar as sensações de correr em ambientes tão opostos e tirar disso uma lição. Independente das condições desfavoráveis eu sabia que chegaria o Momento X daquele treino e ele surgiu ali mesmo, em Costa Barros, enquanto eu filmava minha corrida. Ficou gravado; com as seguintes palavras tentei descrever o que ocorria:

- Eu estou num momento de extrema felicidade que "você" não consegue explicar...  Vai ter gente dizendo que é a beta-endorfina... eu sei lá!... Eu só sei que é um momento de alegria, de prazer; independente da paisagem... A gente corre se sentindo feliz, se sentindo mais forte, se sentindo mais vivo!... Então não precisa nem explicar, né?... Simplesmente correr, saborear o momento que transforma a gente nesse ser corredor, nessa população que corre e que aumenta cada vez mais, graças a Deus!...

Agora que revejo a filmagem, percebo melhor que essa euforia não correspondia à ausência de beleza do local.  Posso entender que naqueles segundos me despi do ego. Abandonei a ilusão do meu separatismo com relação ao local e deixei de ser crítico. Por instantes, o calor deixou de ser escaldante já que ele irradiava de mim. Desvali-me juntamente com o bairro e amparei-me num espaço sem limites. Fluí além dali e para dentro do todo. Percebi que Costa Barros e as praias de Pipa fazem parte de um mesmo paraíso que está dentro de mim e de tudo, que está na eternidade do Momento X.

Abraços!
Bira.

(...) Aumentei meu ritmo depois de cruzar a esquina. Na farmácia, uma moça que cheirava sabonetes interrompeu o gesto quando percebeu meu vulto do lado de fora. Apareci e sumi em frações de segundo, deixando uma imagem difusa a ser preenchida com a imaginação(...) 



Eu Faço o meu Tempo!


Amigos!

Quando acordei de manhã, eu ainda tinha 54 anos e uma dor de garganta muito chatinha, que prometia se agravar durante o dia. Apliquei spray de própolis nas amídalas e decidi sair para correr. Quando calcei o tênis, a atitude fez minha idade cair de imediato para 48, a mesma do período que eu decidi voltar a correr.

Fora de casa deparei com um céu sem manchas e uma avenida engarrafada onde as pessoas não tinham escolha, a não ser me ver passar. Não dava para correr rente ao meio-fio e eu me equilibrei pela calçada irregular. Atrás dos óculos escuros escondi o orgulho de quem corre. Embriagada de suor, minha camiseta se agarrou ao corpo. Imitando o suor, minha idade também se esvaiu: decresci em minutos para uns 38 anos(!), ganhei mais disposição e segui em frente...

Manhãs comuns têm gente chegando apressada na estação do metrô, tem apito de guarda no cruzamento, avisando que o sinal mudou de cor, e têm sombras compridas bailando no chão. Volta e meia pode até passar um corredor como eu - eles não são muito frequentes no subúrbio, mas passam... Aumentei meu ritmo depois de cruzar a esquina. Na farmácia, uma moça que cheirava sabonetes interrompeu o gesto quando percebeu meu vulto do lado de fora. Apareci e sumi em frações de segundo, deixando uma imagem difusa a ser preenchida com a imaginação. E a moça imaginou que eu tivesse uns 25 anos, mas não estava de todo errada: Era assim que eu me sentia àquela altura.

Se a cada trecho eu ficava mais jovem não era o corpo que mudava. Eu possuía os mesmos parcos cabelos grisalhos e o mesmo rosto cada vez mais demarcado. A mudança era interna, instantânea e inexplicável. A mudança também era única porque dependia do contexto momentâneo: engarrafamento, apito do guarda, moça da farmácia, etc... Peças aleatórias que podem surgir enquanto se corre numa manhã comum. Não, não é contradição mostrar elementos externos para explicar "mudanças internas" ou "inexplicáveis". O fato é que não há limites para quem se movimenta.

Continuei meu trote pelo bairro até que subi uma passarela para cruzar a Avenida Brasil. Já do outro lado, vi alunos concentrados em frente ao portão de uma escola, esperando a sirene tocar. Dois deles se aproximaram para brincar de correr ao meu lado. Aceitei a proposta e, por cerca de 50 metros, brinquei de correr com a dupla que aparentava ter uns 14 anos, cada. Assumi essa mesma idade até a próxima esquina e me despedi dos garotos com tapinhas de mãos. Segui migrando no bairro e no meu próprio tempo até o treino acabar - se é que esses treinos acabam...

Fui trabalhar sem dar conta de que a garganta havia parado de doer. Perceber que eu faço meu tempo era bem mais importante que isso!

Abraços!
Bira.


(...) Enquanto eu corria, o céu azul estava ali. Ele abrigava passarinhos graciosos, pipas coloridas, urubus de voo sereno, nuvens robustas e um avião que vai para New York (...)

Montagem com recorte de foto pessoal e a imagem difusa do Shopping Via Brasil (Google Maps)...

Como a Corrida Dilui os Problemas?

Amigos!

Bastou que eu voltasse a correr para o mundo se mexer à minha volta. Pessoas, carro, árvore, casa, chão... O chacoalhar do movimento mistura tudo no olhar. Enquanto se corre, não dá para detalhar as imagens. Os sentidos se voltam à preservação da integridade física: A visão percebe o chão que está próximo ou a cinco, dez, vinte metros à frente. Ela atenta aos carros que surgem na esquina, à pipa voada que arrasta uma criminosa linha com cerol... A audição de um corredor, nas bordas do trânsito, está alerta ao barulho de um caminhão que se aproxima fora do campo da visão. O tato dos pés, mesmo protegidos, percebe o piso num trecho irregular, garantindo equilíbrio.

Neste estado de alerta cruzei a esquina e deparei com o Otimismo. Ele não tinha forma nem educação. Adentrou invisível pelas minhas narinas, invadiu o meu peito e, pela milésima vez, converteu minh'alma. Era mais um daqueles momentos em que todos problemas se tornam solúveis... Tentei me portar friamente e analisar o fato, pensando comigo mesmo:

- Como pode a corrida diluir os problemas mais difíceis?...

Foi quando um caminhão betoneira, mexendo concreto, quase parou ao meu lado. Na retenção do trânsito, em frente ao Shopping Via Brasil, eu sorri - achando que o fato era uma resposta velada à pergunta que eu acabara de fazer a mim mesmo:

- A corrida dilui problemas feito betoneira misturando concreto. Enquanto se corre, o olhar confunde os objetos (pessoas, carro, árvore, casa, chão e etc.) nas ilusões de ótica; o otimismo invade a quem o percebe sem entender como isso acontece... É que tudo perde a identidade individual. Tudo se mescla e integra um só elemento. É nessa hora, aparentemente confusa, que a mente descobre as soluções mais simples para os problemas da vida. É quando os problemas e as soluções se apresentam ao mesmo tempo, e se neutralizam, no universo indistinto das imagens difusas. Enquanto se corre, o mundo é uma betoneira sem limites circundada pela ilusão azul do céu...

Enquanto eu corria, o céu azul estava ali. Ele abrigava passarinhos graciosos, pipas coloridas, urubus de voo sereno, nuvens robustas e um avião que vai para New York... Cada uma dessas coisas aparentando serem objetos distintos, mas não eram, pois eu estava em movimento, vendo tudo se mesclar no meu entorno - otimista e diluído num universo indescritível...

Voltei!

Abraços!
Bira.


(...) Apelei por levar o iPhone e tirar fotos durante o percurso. Isso tornaria o treino bem mais leve e eu poderia colher imagens da minha cidade, em plena transformação (...)

Operários trabalham na construção da pista do BRT, nas proximidades do viaduto da Penha.


Outros operários aquecem a marmita no interior de um imóvel semi-demolido para a passagem do BRT.

Correndo no Canteiro de Obras

Amigos!

É tudo uma questão de foco!

Joguei fora o pessimismo e me inscrevi na Maratona do Rio. Agora vou ter de treinar - superar a insegurança que sempre fica no lugar de uma lesão. Neste sábado fui fazer 30 km solitário - de Irajá a Copacabana, sem saber se conseguiria chegar. Cinco quilos mais gordo e sem a mesma capacidade aeróbica de antes, apelei por levar o iPhone e tirar fotos durante o percurso. Isso tornaria o treino bem mais leve e eu poderia colher imagens da minha cidade, em plena transformação.

Pombos pousam no teto curvo de um prédio, em Olaria - arquitetura do subúrbio.

Galões pet, pendurados sobre a calçada, anunciam a venda de água mineral, no Largo das Cinco Bocas - Olaria.

Corri paralelo aos canteiros de obras da Transcarioca. Disputei espaço com automóveis e gente, entre os cercados e cones. Se não era possível correr forte sobre as lombadas e buracos, melhor - assim teria chance de chegar mais longe. Cheguei na Av. Brasil, na altura de Bonsucesso, onde não vi crackolândia. A obrigação de volta-e-meia tirar fotos me fez perceber os azulejos de uma construção escondida entre o verde da Fundação Oswaldo Cruz ou o céu refletido no poluído rio que beira a antiga Refinaria de Manguinhos.

Painel de azulejos modernistas da Fundação Oswaldo Cruz, em Manguinhos, visto da calçada da Av. Brasil. 

O espelho de água negra de um rio se disfarça refletindo a luz do céu, ao lado da Refinaria de Manguinhos. 

Na Avenida Rodrigues, sob a Perimetral, eu tentei imaginar como será correr ali em 2016. Um céu azul substituirá a sombria a cobertura de aço e concreto. A luz do sol iluminará um chão-mosaico de pedras portuguesas. Os inseto sorrateiros e nocivos se transformarão nas flores que voam... Mas por enquanto, o que se vê são máquinas, cones e operários - além de um vigia dormindo de boca aberta. A junção de um depreciado terminal rodoviário com um palacete abandonado, no entanto, formou o belíssimo MAR - Museu de Arte do Rio, dando uma  ideia do que está pro vir.

O elevado da Perimetral vivendo seus últimos dias, antes da demolição - no Cais do Porto.

Um fétido terminal rodoviário foi reformado e se uniu a um casarão para compor o MAR, na Praça Mauá.

No Aterro, abricós-de-macaco espalhavam frutos em forma de bola pelo chão. O morro do Pão de Açúcar surgiu para roubar a atenção e o celular descarregou antes de eu cruzar o túnel e reverenciar a estátua da Princesa Isabel, na avenida de mesmo nome, ao fim do treino. Na areia da praia bebi guaraná e não tive coragem de dar um mergulho gelado. Tomei uma ducha, troquei de camisa e voltei pra casa... De metrô, é claro!

Abricós de macaco despencam no Aterro do Flamengo, num trecho onde as sobras das árvores não deixam a grama crescer.


A enseada de Botafogo tem Cristo Redentor, Pão de Açúcar e uma pista curva e encantada.

Obs.: Todas fotos foram feitas com iPhone. 


Abraço!                                                                
Bira.

(...) Siga em frente, no refrigério das sombras dos prédios do Avenida Rio Branco. Aproveite isso porque a grande bola de fogo estará te esperando nos próximos 5 km de pista no Aterro (...)


Imagem composta com recortes de imagens da internet - Bira, set/11

O Melhor Sorvete do Mundo.

Amigos!

O melhor sorvete do mundo está em Copacabana. Mais precisamente na sorveteria Itália da Figueiredo Magalhães. Isso não é propaganda enganosa!... Para confirmar faça o seguinte:

1- Chegue cedinho lá em Irajá, no sábado, de tênis, short e camiseta. Dispare o cronômetro e comece a correr, rumo a Copacabana. Embrenhe-se nas ruas de Vicente de Carvalho, Penha, Olaria, Ramos e Bonsucesso até desembocar na Avenida Brasil.

2- Continue correndo naquela estrada larga e reta, sob os olhares do sol e dos ônibus. Quando as curvas surgirem, você já terá deixado para trás a Fiocruz e a Refinaria de Manguinhos. Logo, as pistas de erguerão criando elevados sombrios. Não se assuste: você está nas proximidades da Rodoviária Novo Rio.

3- Aproveite a sombra e não se impressione com a degradação que foi morar com os mendigos, sob a Perimetral. Ao invés disso, imagine-se correndo no local já transformado pelas obras das Olimpíadas. Quando a Praça Mauá surgir, você já terá feito uma meia-maratona. Siga em frente, no refrigério das sombras dos prédios do Avenida Rio Branco. Aproveite isso porque a grande bola de fogo estará te esperando nos próximos 5 km de pista no Aterro.

4- Quando o Pão-de-Açúcar se exibir à sua esquerda e os braços abertos de Cristo rasgarem o vento do lado direito do céu, você estará correndo na praia de Botafogo. Pode ser que o cansaço nem lhe deixe perceber tamanha beleza. Pode ser que seus pés estejam em brasa. Pode ser que sua postura disforme cause dores no corpo. Pode ser que os dois lados de seu cérebro entrem em conflito: um dizendo “vamos lá, falta pouco!” e o outro “ta maluco?”.

5- Se você não estiver bem condicionado, isso vai ocorrer. Aí será hora de pensar no sorvete que te espera, além do túnel, depois que você der um mergulho no mar. Uma caminhada descalça nas areias molhadas vai recuperar seus músculos...

6- No fim do treino, o relógio do calçadão alternará entre as marcações de “11:00 h” e “35º”. Você terá percorrido 31 km em aproximadamente 2 h e 40 min e vestirá uma armadura invisível de herói.

Se você fizer isso direitinho, descobrirá sabor do melhor sorvete do mundo, na Itália da Figueiredo, e vai ficar freguês de tudo! Experimenta!

Abraço!
Bira.



(...) Continuar correndo e desviando das poças, mas levar um banho da água que os pneus dos carros atiram, inclementes, sobre pedestres incautos (...)

De cima da árvore, à espreita, a bela garça aguarda o momento que o peixeiro atira os restos de pescado no poluído rio que mais parece um valão, em Irajá...

Borboletas e Flores

Amigos!

Sayão é meu amigo. Ele tem mais de setenta anos e um jeito malandro na fala. Gosta de samba e de gente – é sabido que ele já ajudou muitas pessoas. Mas o que mais me impressiona no Sayão é o fato de ele conhecer meio-mundo. Seja no Centro, Tijuca, Zona Oeste ou Zona Sul; nos meandros dos bairros; nas sombras das amendoeiras, tem sempre alguém cumprimentando o Sayão... Só vendo para acreditar!

Embora o admire, não tenho a pretensão de ser tão popular quanto Sayão, mas graças à corrida, nesses últimos anos, o número de acenos que recebo cresceu enormemente. Enquanto treino pelo meu bairro e adentro nas ruas e ladeiras das adjacências, vejo gente e gente me vê. Vejo uma cidade que normalmente não veria, quando experimento trajetos alternativos e melhor utilizo todo espaço que o Rio me oferece. É incrível correr pelos subúrbios deparando com o lixo e a desordem de bairros que são apenas corredores de passagem, mas ao dobrar uma esquina, surpreender-se ao descobrir uma rua ou praça limpa e bem cuidada pelos próprios moradores que criam borboletas e flores em singelos canteiros – é quando a verde esperança não cintila apenas na grama bem aparada. E pensar que eu não conheceria tais recantos não fossem os diversos treinos que realizo.

... "Minhas filhas (as garças) já são mais de trinta" - diz o "pai" orgulhoso, ao mesmo tempo que limpa uma corvina: a curiosa cena foi registrada durante um de meus treinos pelo bairro.

Outras variações que surpreendem ocorrem em dias de tempo instável. Em um longão de duas horas, pode-se experimentar um vento frio aspergindo orvalho, em Irajá, às oito e trinta da manhã e, três quartos de hora depois, passando por Benfica, sentir o sol romper as nuvens e deitar seu calor de outono carioca, feito compressa, em nossos ombros suados – momento de tirar a camisa e prendê-la no short. Meia hora depois, já tendo feito a curva em Triagem e rumando de volta a Irajá, encarar uma tempestade diante do Shopping Nova América. Continuar correndo e desviando das poças, mas levar um banho da água que os pneus dos carros atiram, inclementes, sobre pedestres incautos. Se um atleta de rua deve ter bom humor para encarar qualquer tempo, correr é uma lição de vida. Superar a passagem da chuva e do sol. Deixar para trás não só poças d´águas e lixo, mas flores e borboletas, não faz do corredor um ser solitário, fá-lo livre e integrado no todo. Este ser passageiro leva consigo o próprio mundo onde os problemas não foram suficientes para fazê-lo parar. Leva um sorriso, um aceno, um incentivo para quem parou e deseja retornar ao movimento. É nessa hora que alguns corredores de personalidade introspectiva se revelam grandes comunicadores, feito meu amigo Sayão. Descobrem que sem o uso da palavra é possível comunicar-se, com os mundos externo e interno, através da linguagem do movimento.


Abraços!
Bira
Amigos!

De olho na Maratona de Porto Alegre voltei atreinar na grama, como fiz ano passado. O local é o mesmo: o maior canteiro do Trevo das Margaridas, com aproximados 650m de circunferência, ao lado do Shopping Via Brasil - quase pronto para inaugurar - e início da Rodovia Presidente Dutra, em Irajá.

Assim começa a temporada de treinos regulares - seriedade na brincadeira - onde o piso fofo é fundamental para  proteger joelhos e calcanhares.


Mas a grama não é apenas um piso macio. Ela interage com nosso corpo e nossa mente. O atrito do tênis no gramado, o cuidado que se tem para não pisar em buracos ou galhos, os estálidos das folhas secas, o grilo que salta desesperado ao ver um "gigante" se aproximando, o formigueiro ameaçador, o casal de quero-queros e seus piados de alerta, o urubu devorando um despacho e o sol, que dá cor a tudo isso, bronzeando minha pele e cozinhando meus miolos...


A grama absorve a luz do sol para transformá-la em verde-vida. Onde há muitas que árvores impeçam a projeção do sol, não há grama.

Essa energia que o gramado absorve, parece subir pelas pernas de quem corre ali. Então, o tempo passa como aquela minúscula borboleta amarela voando em zigue-zague, rente às folhas de grama, cruzando de repente á minha frente. Para não pisá-la, tropecei em seu rastro e nem me lembro se caí, já que cair, neste cenário, é apenas um detalhe.

Abraços!
Bira.
Amigos!



Feliz é o bairro que tem um vasto gramado onde treina um corredor! Esse bairro é Irajá, o gramado está no Trevo das Margaridas e o corredor sou eu. Utilizo aquela área, relativamente bem cuidada, para dar volume aos meus treinos, duas ou três vezes por semana. Não tenho concorrentes. Em seis meses, somente um dia vi alguém correndo ali. Dou vinte voltas em pouco menos de uma hora, somando uns 13 quilômetros. Sexta-feira passada foi um desses dias.

Enquanto a imprensa dava destaque à baixa umidade do ar, as matas brasileiras ardiam em chamas. Constatei isso ao longo da Rodovia Presidente Dutra, numa viagem de ida e volta a São Paulo. Mas agora eu estava ali, no fim da longa rodovia, correndo sobre o gramado meio seco.

A manhã do dia 03/09/2010 revelava um céu sem nuvens. O trânsito, na Av. Brasil, intensificava aos poucos tanto quanto a luz solar. Não havia indícios de que eu teria uma experiência sobrenatural num ambiente matinal, claro e movimentado, mas isso ocorreu. Tudo seguia como o planejado. Mais uma vez eu daria as 20 voltas no vasto canteiro para depois ir trabalhar. O treinamento na grama requer um pouco mais de atenção às irregularidades do piso, mas eu já conhecia cada centímetro daquele gramado. Esforçava-me para manter a concentração em não deixar cair o ritmo, na monotonia das passadas. Estava na volta de nº 13 quando uma lufada de vento fez surgir um redemoinho ao meu lado, dando vida às folhas mortas do chão, atirando-as sobre mim, junto aos ciscos e poeira. O susto fez meu coração disparar tanto quanto minhas pernas. Senti um arrepio e pensei: “É Saci Pererê!” Um redemoinho que surge do nada é artimanha do Saci. Em instantes, a nuvem de poeira ficou para trás e dissipou da mesma forma que surgira. Percebi que estava eufórico e me arrepiei de novo, me perguntando: “Será que o Saci está correndo comigo??” Já ia me benzer para exorcizar o espírito travesso, mas refleti: “Deixa o neguinho!... Vamos dar uma volta juntos neste gramado!” Gargalhei ao pensar no esforço que o perneta devia estar fazendo para me acompanhar, ainda mais com um cachimbo na boca! Definitivamente, para se tornar corredor, Pererê teria que instalar uma destas próteses modernas, largar o fumo e trocar a carapuça por um boné. Resumindo, seria o fim do Saci!... Imediatamente, pensei de novo: “Deixa o neguinho!” e quando a volta nº 14 começou, falei: “Vai Saci! Pula fora que seu esporte não é esse!”

Fechei o treino em 59 minutos quando o sol parecia mais forte e o vento mais fraco. Saci já havia partido, acredito que grato por ter encontrado alguém que não quis exorcizá-lo ou convertê-lo. Quanto a mim, vou continuar treinando de manhã porque à noite corro o risco de encontra a Mula-Sem-Cabeça que possui labareda de fogo no lugar das ventas... Não quero nem imaginar!


Abraços!

Bira.
(...) Já paguei três meses de musculação e não frequentei nenhum dia. Sei que estou perdendo dinheiro, mas hoje eu quero é correr e passar por ruas onde nunca pisei (...)


Cristo do Subúrbio, montagem com fotos da internet - Bira, 28/10/15.

Onde está a Beleza do Rio?

Amigos!

Embora precise, eu não conseguiria malhar dentro de uma academia nesta manhã tão clara. Por mais amplo que fosse o janelão da academia, eu me sentiria recluso. Depois de ter passado a noite fria embaixo do edredom, agora tinha um sol me convidando para correr.

Esta manhã de inverno possui ar fresco e nenhum chamusco de nuvem maculando o azul do céu. É certo que vai esquentar, mas os raios solares ainda provocam sombras enviesadas no chão. Já paguei três meses de musculação e não frequentei nenhum dia. Sei que estou perdendo dinheiro, mas hoje eu quero é correr e passar por ruas onde nunca pisei. A sensação de estar perdido, enquanto corre, aguçam os sentidos. Provoca insegurança não saber o que surgirá depois da próxima e inédita esquina. É preciso ficar atento, e isto aumenta a percepção do mundo ao redor.

O subúrbio do Rio não tem mar nem a chamada “gente bonita” que desfila de biquíni ou bermudão. As calçadas não têm pedras portuguesas e alguns terrenos viraram lixão. Quando saio de casa, em Irajá, para correr meus longões, a tendência é seguir em direção ao Centro e Zona Sul.

- Pelo menos posso encerrar o treino dando um mergulho no mar e bebendo água de coco - penso.

Mas hoje farei diferente: Para onde vou?... Não sei.

Optei por seguir na contramão do metrô, de Irajá até pouco antes da estação Colégio. Adentrei numa rua à esquerda, achando que estaria seguindo para Rocha Miranda, mas abandonei o curso na próxima esquina. Algumas novas mudanças de trajeto e percebi que não sabia mais onde estava (que beleza!). O cronômetro deveria estar marcando uns 20 minutos e eu já “me perdera”. Vibrei, enquanto um vira-lata faminto, sentado na calçada, sequer me via passar.

Correndo no asfalto, rente ao meio-fio, percebi que a COMLURB passou por ali, deixando a rua limpa... “Até quando?”, pensei. Diante dos muros pichados, mal construídos ou sem reboco, as pessoas desprezam a limpeza das calçadas jogando tudo no chão.

- Onde está a beleza do subúrbio? - me perguntei.

Mais uma esquina e dei de cara com a estação Coelho Neto do metrô. Já sabia de novo onde pisava e prossegui no sentido Pavuna. Cruzei sob a Av. Brasil e me embrenhei as ruas de Acari. Não dava para me perder ali, mas poderia seguir para a Baixada. Margeei um rio largo, poluído e assoreado, um conjunto residencial de prédios populares e a linha férrea num trajeto de uns cinco quilômetros. Dentro do rio vi urubus disputando uma “refeição”, e me perguntei:

- Onde está a beleza da periferia?

Se por um lado, o solo não apresentasse tanto atrativo, por outro, a luminosidade do céu aumentava e dava mais vida ao azul. Nesses três quartos de hora vi três aviões passarem, rumo ao Galeão, sem nuvens para perfurar. Mantive o ritmo moderado das passadas (uns 10km/h) e minha respiração estava tranquila. A apenas quatro dias da Meia Maratona não se deve forçar.

Não devia faltar muito para chegar a Pavuna, quando o longo muro da estrada de ferro recuou, revelando uma cancela que me deu a opção de virar à esquerda. Uma placa dizia ser caminho para Anchieta. Aceitei a sugestão e experimentei de novo a sensação de alerta – em que bairro eu estava?

Mantive-me na estrada onde corre o trânsito para não entrar em terreno hostil. Passei rente a uma favela e cruzei uma área industrial. Vi barraca que vendia pão-com-“linguisa” na frente duma fábrica; um catador de garrafas; uma égua encardida amarrada no pasto; uma sucata de carro incendiado...

- Onde está a beleza?...

Mas não deixo de lembrar um sabiá ciscando insetos no gramado e um belo casal de galinhas d’angola que poderia ser um despacho vivo. Mais adiante galinhas caipiras eram criadas soltas numa área mais bucólica. Esquinas passavam e o trânsito ficava intenso, até que desembocou num pequeno shopping que tinha o nome do bairro: Guadalupe. Olhei pro relógio que marcava pouco mais de uma hora de treino e pensei:

- A Av. Brasil passa por aqui, melhor voltar por ela.

Um transeunte me indicou uma rua à esquerda e eu segui. Antes de chegar à Brasil, descobri uma pista de caminhada que margeia um rio naquele local, da mesma forma que ocorre na Vila da Penha.

Na volta pela avenida, outros quatro aviões passaram, desta vez no mesmo sentido que eu. De Guadalupe à Irajá, absorvi barulho e gás carbono em níveis aparentemente suportáveis. Depois de passar em frente ao CEASA, abandonei a aquela via e corri mais uns quatro quilômetros nas ruas de Irajá. Encerrei o treino (de 1h 56min) e entrei no sacolão para comprar couve, conforme o pedido de minha mulher.

Qualquer dia desses voltarei a percorrer esses recantos do Rio onde a beleza não salta aos olhos. Onde o esvaziamento econômico atirou suas vítimas e encobriu o encanto daquele povo. Quero acreditar que beleza da periferia está apenas encoberta, reunindo forças para brotar dos escombros. Um dia ela vai ressurgir, bem antes que se cumpram as promessas de ressurgimento do Redentor. Se o Redentor continua aprisionado nas páginas do Livro Sagrado, onde está exilada a beleza do subúrbio? Se o subúrbio faz parte do Rio, onde está a beleza do Rio?

(Texto reeditado e modificado em 28/10/15)

Abraços!
Bira