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Um grupo de funcionários aposentados doou 100 latas de leite em pó á Casa de Apoio à Criança com Câncer São Vicente. 

Amigos!

Reabro uma exceção neste blog e saio do tema Corrida. Com auxílio do WhatsApp juntei amigos, aposentados como eu, e conseguimos doar 100 latas de leite em pó para a Casa de Apoio. Dessa ação, surgiu o poema que guardo aqui, a seguir:

ATÉ ME FAZER ETERNO!

Doei meus sapatos,
Calças, camisas, anéis e cordão...
Doei tudo que eu tinha,
Até meu velho chapéu.


Não retirei, do chapéu,
Todas as ideias abrigadas, quando doei.
Não retirei dos óculos, os olhos
Tampouco as lágrimas de emoção.


Doei meus pulmões inflados de perfume,
Doei meu coração e todo sangue bombeado,
Doei minhas veias – estradas ocultas da vida –
Doei todo meu corpo e o sabonete que restou.


Depois disso tudo,
Entreguei minhas lembranças.
Apesar disso tudo,
Não consegui deixar de existir...


Quando vi, me espalhei!
O que era meu se degradou em outras mãos,
O que era eu se eternizou
No gesto de doar!


Doei meus sapatos,
Calças, camisas, anéis e cordão...
Doei tudo que eu tinha,
Até me fazer eterno!


(30-04-20).

Abraços!
Bira.
(...) A verdade é que eu nunca gostei de ficar estudando, tinha coisas muito mais importantes para fazer naquela idade!... Feito macaco, saltava de galho em galho nas mangueiras das casas dos vizinhos.... Pulava os muros para pegar pipa avoada... Caçava rãs no brejo com as mãos! (...)

A única foto de criança que tenho, com apenas 1 aninho, em, 1960.

Sobre Minha Infância...

Amigos!

Nesse Dia da Criança eu não quis apenas postar minha foto de infância no perfil do Facebook, quis fazer alguns comentários sobre essa fase. Depois percebi que tal material daria uma postagem e o trouxe para cá:

Sobre minha infância (1)

Fui criado com uma liberdade que seria inconcebível nos dias de hoje. Sempre lidei com pessoas mais velhas, isso só inverteu depois que eu comecei, de fato, a correr... Faltou alguém capaz de me mostrar o quanto eu era feliz com a vida que eu tinha... Não que eu estivesse abandonado, nada disso, é que os adultos a minha volta talvez nem soubessem que eram felizes também.(06/10/12).


Sobre minha infância (2)

Fui o que se chamava de filho temporão dos meus pais. Era como se eu fosse filho único, pois os meus irmãos mais velhos já eram adultos. Lembro de dois cachorros, Peri e Tupi... Nem os cachorros escapavam da mania que tinha meu pai de batizar seus filhos com nome de índio...(06/10/12).


Sobre minha infância (3)

Queria ser desenhista ou escritor, já que eu me dava bem na escola nesses dois quesitos... No fim das contas, tive que dar graças à Deus por me tornar funcionário público... Já encontrei meios de ser criativo, mesmo no serviço público (pasmem!) quando trabalhei em um almoxarifado... Já consegui compensar parte dos meus sonhos de infância, pintando alguns quadros ou escrevendo postagens no meu blog... Não tenho nenhuma tatuagem no corpo, mas cicatrizes na alma, de onde alguns sonhos foram arrancados... (07/10/12).


Sobre minha infância (4)

Minha mãe era a lavadeira de Irajá. Passava a manhã esfregando roupas no tanque, para passá-las à tarde. Nosso quintal era grande e tinha um monte de frutas: banana, goiaba, jaca, cajá, graviola, manga, laranja da terra, abacate e caju. Tinha um quarador de roupas, para quem não conhece - uma espécie de tapete de pedras de granito no chão. Ali ela estendia as roupas brancas para a luz do sol clarear. Quando o sol estava forte e batia nas roupas, meus olhos quase cegavam diante do brilho... Minha infância teve muito brilho, mas meus olhos às vezes cegavam... (07/10/12).


Sobre minha infância (5)

Moleque precoce, eu ficava no meio da roda de adultos na esquina, até tarde da noite. Naquela época, praticamente não haviam drogas. Irajá tinha apenas dois maconheiros, assim carimbados, que não frequentavam aquela esquina do bem. O máximo que os caras da esquina faziam era misturar coca-cola com cachaça, vez ou outra, mas ninguém me oferecia. As ruas eram mal iluminadas e quando dava meia-noite, Lelo - um dos adultos - saía de fininho e ia em casa, sem que eu percebesse... De repente, na escuridão da madrugada, surgia um fantasma saindo da casa do Lelo!!!... Eu sabia que era ele que estava embaixo de um lençol... Mas todo mundo corria, simulando sobressaltos, e eu acabava me assustando de verdade... Por via das dúvidas, saía em disparada para casa!... Vai que fosse um fantasma, de fato?!... (08/10/12).


Sobre minha infância (6)

A escola Francisco Sertório Portinho era o melhor lugar do mundo!... Não que eu fosse aplicado, na média eu era apenas um aluno bom. Compensava as notas regulares, obtidas nas matérias chatas, com notas excelentes das matérias prediletas. A verdade é que eu nunca gostei de ficar estudando, tinha coisas muito mais importantes para fazer naquela idade!... Feito macaco, saltava de galho em galho nas mangueiras das casas dos vizinhos.... Pulava os muros para pegar pipa avoada... Caçava rãs no brejo com as mãos!... Mas voltando à escola, amava minhas professoras!... Ainda lembro do nome da minha primeira professora, Dona Jacinta, muito embora sua imagem seja apenas um vulto... Dona Jacinta, agora, deve estar no céu, local de difícil acesso... Quando eu morrer, vou pedir a Deus para deixar eu dar uma passadinha lá e reencontrar Dona Jacinta... Nem que seja apenas para eu ganhar um beijo, um abraço e refazer sua imagem na minha lembrança... (08/10/12).


Sobre minha infância (7)

Nas noites de jogo do Flamengo a calçada em frente a casa do Helinho ficava lotada... Sob o poste de luz, juntavam-se Flamenguistas e anti-Flamenguistas, ouvindo as narrações empolgantes do rádio. O Helinho, um dos meus melhores amigos de infância, era torcedor do Fluminense, mas gostava da bagunça. Para garantir a vitória do Flamengo, ele colocava um boneco do Popeye encima do muro. O Popeye tinha uniforme do Rubro Negro, esculpido e pintado no gesso. Era como um santo de gesso, que ficava impassível, sobre o muro. Um santo com postura diferente, exibindo seu muque e fumando um cachimbo sem fumaça. A entidade Popeye ouvia rezas e palavrões, enquanto o Flamengo perdia seu jogo. Para delírio dos Flamenguistas, Popeye atendia aos clamores... Era quando toda a rua estremecia ouvindo do rádio mais um grito de gol!... Aprendi a ser Flamenguista na rua, embaixo daquele poste de luz... (08/10/12).


Sobre minha infância (8)


Mas nem tudo era divertido... Eu não gostava, nem um pouco, que minha casa fosse a última da rua que ainda tinha cerca de madeira, ao invés de muro. Eu já entendia algumas piadinhas maldosas encima da minha pobreza, embora quase todos no bairro fossem pobres também. Detestava, e sentia uma vergonha terrível de conduzir trouxas de roupas que minha mãe lavava, pelas ruas... Minha mãe não sabia ler e recorria a mim para rascunhar suas pules de jogo de bicho. Ela sempre ganhava no bicho!... Um dia, com apenas seis anos, eu resolvi jogar uns trocados que tinha , pela primeira vez. Deu cabra na cabeça e eu acertei!... Comprei bola, um carretel e uma bela pipa, no armarinho. Anos depois, já adulto, tive problemas com jogo por conta dessas causas remotas, mas faz dezenas de anos que tudo já foi superado. Minha infância foi muito intensa! (08/10/12).


Sobre minha infância (9)

Um momento de trauma e de forte tensão ocorreu quando minha mãe recebeu uma carta-aviso do INPS. A nossa casa já acumulava anos de prestação atrasada. Estávamos ameaçados de despejo. Ela ficou desesperada e me abraçou, perguntando o que faríamos. Imagine o desamparo que senti, embora tivesse sendo abraçado por minha mãe!... Depois tudo se resolveu, mas em algum lugar do meu peito ficaram escondidos fragmentos de medo. Meu coração ainda acelera quando eu me lembro desse dia. (08/10/12).


Sobre minha infância (10)

Pedaços de tábua e de ripas viravam carrinho de bilha (rolimã). Bastava serrar a madeira, depois pregar e encaixar as rodas de aço... As ruas do bairro ganharam asfalto para delírio da criançada. Eu estava entre os mais corajosos, que arriscavam descer a perigosa Ladeira dos Marítimos. Não me lembro de tombos nos carrinhos, mas sempre que jogava pelada descalço, chutava o chão. Por mais que eu tomasse cuidado, acabava arrancando o tampão do dedão do pé direito, antes mesmo de cicatrizar o machucado anterior... (08/10/12).


Talvez continue em outra postagem...

Abraços!
Bira.



(...) Meu pai nesse mundo foi um Ogum sem cavalo e sem lança. Trabalhava muito e ganhava pouco. Quando ia entrar para o serviço público, ficou doente e perdeu a chance (...)

Meu pai, Jacy, agachado à direita e na carteira profissional: Saudade!

Sentado no Colo de meu Pai

Amigos!

Meu pai me chamava de Birinha porque Bira era Ubiratan, seu filho mais velho. Eu adorava ouvir essa palavra de seus lábios. A sonoridade de Birinha me acariciava, feito uma melodia. Volta e meia, ele cantava "Amélia - a mulher de verdade". Volta e meia, ele homenageava São Jorge com seu canto, onde o Santo Guerreiro era chamado de Ogum. Acho que Ogum também adorava ouvir a sonoridade de seu nome, nos lábios morenos de meu pai. Por isso ficava ali, no seu anel de prata, deixando marcas no dedo e na alma. Morrerei sem esquecer sua devoção expressada nos pontos de umbanda que ele cantava:

"Ogum, olha sua bandeira,
É branca, verde e encarnada,
Ogum, nos campos de batalha,
Ele venceu a guerra sem perder soldados!"

Meu pai nesse mundo foi um Ogum sem cavalo e sem lança. Trabalhava muito e ganhava pouco. Quando ia entrar para o serviço público, ficou doente e perdeu a chance. Conseguiu uma casa simples com um belo quintal, em Irajá, onde fui criado. Era época do Governo de Getúlio Vargas e Irajá, um bairro pouco habitado.

Quando meu pais se separaram eu tinha seis anos. Os tempos eram outros e Getúlio, o Pai dos Pobres, já tinha entrado para história há muito tempo. Eu e minha mãe ficamos morando na casa de Irajá. Ele, sem cavalo e sem lança, foi morar de aluguel aqui e ali - melhor dizendo lá e acolá. E a vida ficou mais difícil ainda para meu velho pai. Mesmo assim, casou-se de novo. Teve outro filho, meu irmão Jacy. Eles moravam numa casa de pau a pique, ao lado de um córrego, batizado por ele de "Rio de Las Mierdas".

Dentro de mim ficou a frustração de eu nunca ter podido ajudar ao meu pai. Eu era muito novo e quando as coisas melhoraram ele já não estava mais aqui. Dentro de mim ficaram também momentos simples, inesquecíveis, de quando ele vinha em casa me buscar para irmos na casa da minha tia. Ninguém faz ideia da minha felicidade andando de ônibus com meu pai! Nem eu faço mais ideia de quanto eu pude ser tão feliz andando no 905 - Irajá/Bonsucesso... Jogar baralho, então... Eu, meu pai e o verdadeiro Bira, meu irmão!... Verdadeiro Bira, sim!... Porque hoje eu sou Birinha e estou sentado no colo de meu pai.

Abraço!
Birinha.



Amigos!





São quase dez horas da noite e eu estou conferindo as mensagens de feliz aniversário que recebi no Facebook. Vejamos apenas algumas:

"Parabéns, Bira!" - "Feliz aniversario! - "Tudo de bom, Saúde e Paz!!!" - "Parabéns!! Tudo de bom!!"...

E vai por aí... São muitas, o que me deixa muito feliz... Mas espera um minutinho: Esse negócio de dar parabéns a quem está ficando velho não estaria errado?... O cara vai perdendo o cabelo, a visão e outras coisas desnecessárias de citar aqui... Aí vêm os amigos dar parabéns?? É lógico que a gente fica feliz de ser lembrado, mas isso faz lembrar que lembramos cada vez menos!... 

Talvez não fosse melhor dar pêsames aos aniversariantes?... Então vejamos como ficaria no Facebook:

"Meus pêsames, Bira!" - "Não fique triste por ter um ano a menos de vida!!! - "Descanse em... , digo, Saúde e Paz!"...

O que direi não é inédito - aos 55 anos fica difícil encontrar coisas inéditas - mas no famoso filme "O Curioso Caso de Benjamin Button" o personagem regride na idade... Muitos dizem ser o ideal. Eu preferiria regredir a partir de agora. Ano que vem faria 54, daqui a dez anos 45, daqui a trinta cinco anos 20... Uau!... Já pensou??

Já pensou eu ter, de novo, a vasta cabeleira?  Enfiar a linha no buraco da agulha, sem óculos... E outras coisas que se enfia mais facilmente, desnecessárias de citar aqui... Ai virão os amigos dar parabéns, de novo, assim:

"Parabéns, Bira!" - "Feliz aniversario! - "Tudo de bom, Saúde e Paz!!!" - "Parabéns!! Tudo de bom!!"...

E vai por aí... Isso me deixaria muito feliz... Mas espera um minutinho: Meu tempo de vida estaria cada vez menor... 19, 18, 5, zero... Quer saber? Vou parar de ficar escrevendo besteira e comer o meu pedaço de bolo!

Abraços!
Bira. 




Amigos;




Recortes com fotos e imagens de internet, utilizando GIMP - Bira, 18-06-14.

Daqui a um mês eu faço cinquenta e cinco. Não é "cinco ponto cinco", como diz o título, é cinquenta e cinco e ponto!... Melhor, é cinquenta e cinco e pronto!... #Pronto, falei!...

Não adianta disfarçar nem fugir dos cinquenta e cinco. Melhor dar uma de homem maduro e consciente, expressar um meio-sorriso sereno - daqueles que provocam marquinhas bondosas de expressão nos cantos da boca e dos olhos. Melhor juntar as mãos feito Dalai Lama e agradecer, dizendo: "Muitos não chegaram até aqui..." Se assim eu fizer, serei um homem maduro e próprio da idade.

Daqui a um mês eu faço cinquenta e cinco. Não é "cinco ponto cinco", o título foi só para chamar atenção... Foi só para contrariar o manual dessa idade, que recomenda:

1- Não chame atenção para si;

2- Não chame os filhos à atenção - eles já estão criados;

3- Netos, então, jamais chame atenção - papel de avô é mimar ou, como dizem, "estragar".

Atenção é poder... Aceite que você os perdeu! Anda, se arruma! Vá ao médico que ele sim, vai te chamar atenção! Encare aquele médico que para te examinar tem que vestir a luva! Talvez ele seja bonzinho, como os avós, e não lhe dê uma bronca.

Daqui a um mês eu faço cinquenta e cinco. Não é "cinco ponto cinco", como alguém inventou... Essa gente vive inventando coisas! Já não bastou tirar o trema do "cinqüenta e cinco"?... Eles tiram tudo de nós!... Não bastou que eu perdesse a minha, outrora, farta cabeleira?... Não bastou que eu perdesse a minha visão perfeita?... Agora já nem sei se o trema está de fato ali ou eu é que não estou enxergando direito!... Droga!

Daqui a um mês eu faço cinquenta e cinco. Não é "cinco ponto cinco", como alguém inventou... Mas quer saber de uma coisas?... Eu não vou ficar aqui falando sério sobre isso!

Abraços!
Bira.







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De que adianta um pelotão matinal de garis, armado de vassouras, enxadas, caminhões e tratores, combater o lixo no meu bairro? À noite, quando eu retorno do trabalho, sinto-me um verdadeiro rato bípede, abrindo caminho em meio ao lixo e ao caos... Foi essa triste rotina que inspirou o conto "Sanduíche de Queijo", onde todo lixo do Rio de Janeiro se transformou em dinheiro, num passe de mágica... Agora refiz o conto em formato e estilo, para postá-lo aqui na tag "Além do Blog"... Acho que ficou melhor no texto e nas imagens, confira:

Amigos!

Sanduíche de Queijo



Avenida Rio Branco, Centro do Rio - Segunda-feira, 21h.

As mulheres de salto alto redobravam a atenção para caminhar durante a noite. As pedras portuguesas das calçadas cariocas não eram seus piores obstáculos, e sim, os pedaços de isopor que escapavam dos sacos de lixo. Empilhado à beira do asfalto, o lixo aguardava a passagem do caminhão da COMLURB. Até que isso ocorresse, o Centro da Cidade seria como um museu com esculturas horríveis, feitas de plástico preto recheado de chorume, espalhadas pelas ruas e becos.

Os garimpeiros de material reciclável têm pouco tempo para catar tanto lixo. Eles também se espalhavam feito almas urbanas nas sombras noturnas de árvores e marquises. Essas criaturas são invisíveis na camuflagem da noite e no embotamento dos olhos de quem tem pressa. Por isso, ninguém percebeu quando um deles passou à margem da calçada, em disparada, carregando três sacos pretos, imensos e estufados. O homem ofegava e suava, arregalando olhos que mais pareciam faróis. Rapidamente olhava para os lados, como quem confere se não está sendo seguido. Não estava, mas a sensação de perseguição era tão forte quanto o latejar de seu coração naquele momento. Correndo em direção à Cinelândia, teve seu vulto engolido pelas sombras da noite. Percebeu-se, então, um surpreendente rastro de cédulas de R$ 50,00 por onde ele passou, imediatamente disputadas pelos transeuntes.

Rapidamente uma confusão se formou. Pessoas se abaixavam para catar dinheiro no asfalto. Carros frearam e buzinaram tentando abrir caminho. Quando um motorista percebeu o que ocorria, abandonou seu automóvel para disputar o dinheiro também. Foi imitado por outros motoristas e o trânsito travou por completo. 

Mais um catador passou, arrastando dois sacos imensos e rápidos, e sequer se ateve à disputa. Um terceiro também surgiu do mesmo jeito. Daria para ver as cédulas de R$ 50,00 escapando do plástico preto que conduzia. Debruçados no chão ninguém percebia. Com exceção de um taxista, que acabara de deixar seu carro atravessado na pista. Seus pensamentos foram rápidos e seus gestos furtivos: aproximou-se de um amontoado de lixo ensacado e confirmou sua suspeita - os sacos estavam abarrotados de dinheiro ao invés de lixo! Trêmulo, abarrotou rapidamente seu carro do quanto pôde, e só depois gritou para que todos ouvissem:

-- Os sacos de lixo estão cheios de dinheiro!!!

Seu grito ganhou eco pelas ruas do Centro. Fez passageiros e motoristas descerem dos coletivos , balconistas e porteiros abandonarem  seus postos. Um guarda de trânsito largou o apito e um usuário de crack, seu pito. Cada um tratando de carregar o que podia. Por alguns instantes tiveram medo de serem roubados, mas havia dinheiro suficiente para todos em todo canto. De repente, becos fétidos e escuros que acumulavam lixo se transformaram em tesouros. 

Seguranças particulares, armados, se organizaram para fechar um trecho da Rua Sete de Setembro, onde se apossaram das pilhas de sacos de dinheiro que antes foi lixo. Jorjão assumiu a liderança da milícia e tentava, em vão, comunicar-se pelo celular com seu vizinho Ferreira, dono de um caminhão baú que recolheria toda a grana. Ferreira não atendia de jeito nenhum, e ele ligou para a sua mulher:

-- Mulher, me localiza o Ferreira aí, é urgente! Manda ele vir para o Centro, que eu tenho uma carga preciosa!... Diz para ele me ligar, eu não consigo falar com ele! Vá logo, é urgente!...

-- Amor, eu também tava tentando falar contigo!...  - respondeu a mulher - Você não vai acreditar, mas no lixão aqui do morro, não tem mais lixo, só tem dinheiro!... Estava todo mundo pegando a grana e levando pra casa, até que os bandidos tomaram conta e cercaram tudo... Eu fui lá com os meninos e sua mãe, antes. Deu tempo de pegar muito dinheiro!... É dinheiro como eu nunca vi!... Vem pra cá! Estamos com medo... Precisamos de você aqui!...

-- Como é o negócio?... Aí também?... Mulher, mulher!... Droga, desligou!...

Nem Jorjão e sua tropa de milicianos no Centro, nem os traficantes que cercaram o lixão do morro, nem nenhum cidadão carioca poderia imaginar que, naquele momento, todo o lixo espalhado no Rio de Janeiro se transformou em dinheiro vivo!...



Depois das 22 horas...

A cada minuto que passava, mais e mais pessoas davam conta do ocorrido. Havia dinheiro por toda cidade. Quanto mais pobre o bairro, mais fortuna espalhada nos lixões. Bastaria recolher e levar para casa. A pirâmide social estava invertida. 

Naquela noite ninguém dormiu. Ninguém teve fome nem sede até que o dia amanhecer. Quando o sol chegou, toda a cidade estava limpa e bela. As ruas estavam desertas e as pessoas reclusas no lar, guardando suas fortunas. Se o lixo virou dinheiro, desapareceu das ruas. Se as pessoas tinham dinheiro, não precisariam trabalhar. Se ninguém foi trabalhar, não tinha comércio, escola, trânsito ou hospital. Cada um de olho no que recolheu e sem saber direito o que estaria funcionando além do seu muro.

Antônio foi um dos poucos que permaneceu recolhendo o resto de dinheiro em uma encosta no seu bairro. Mara, sua esposa, foi chamá-lo:

-- Vem pra casa Tonho! Já temos muito dinheiro lá! Você precisa descansar e comer alguma coisa!

-- Ainda tem dinheiro aqui também! Vou pegar o máximo que puder antes que acabe.

-- Então coma pelo menos este sanduíche de queijo que eu fiz...

E assim Antônio prosseguiu catando dinheiro com uma mão e comendo sanduíche de queijo com outra. 


Em alguma residência do subúrbio carioca... 
Terça-feira, 21 horas.

Janete não estava preocupada com a proporção do caos que tomaria a cidade. Algo lhe dizia que logo, logo, ficaria tudo bem. A água parou de chegar na bica, mas sua caixa estava cheia e tinha capacidade para 2.000 litros. Se faltasse luz, acenderia velas, mas para que antecipar os problemas? Ainda tinha luz e novela pra assistir. Então chamou o marido e acomodaram-se no sofá com o filho. Calada, diante da TV, assistiu seus próprios sonhos. O que fazer com tanto dinheiro recolhido?

Logo um mau cheiro foi tomando conta da casa. Levantou-se para verificar se o banheiro estava sujo. Não estava, mas o mau cheiro vinha dali.

-- Estranho!... Que mau cheiro é esse? - pensou.

Tudo parecia normal no banheiro, a não ser pelos sacos de dinheiro ali empilhados... A dona de casa então abriu um dos sacos e quase caiu para trás. O dinheiro voltou a ser lixo!... Apressou-se para conferir outro saco, e outro, e outro... Sua casa estava cheia de lixo e seus sonhos esvaziados! Gritou pelo marido. Ordenou que ele abrisse a porta, as janelas, o portão e pusesse o lixo para fora! Atirou-se no sofá, diante da TV, chorando mais que a mocinha da novela.

'Na história televisiva, a mocinha sofria com a indiferença do marido que só pensava em trabalhar para ganhar mais e mais dinheiro. O homem era avarento e não parava nem para almoçar. Ao invés disso, todo dia comia um sanduíche de queijo para enganar o estômago.'

Amparada pelo filho, Janete chorava de um lado e a mocinha da novela chorava de outro. Entre elas a película da tela plana de plasma. Enquanto isso, as ruas do Rio se enchiam de novo de lixo...



Rio de Janeiro - RJ - Quarta-feira, de manhã...

Supermercados, farmácias, shoppings e o bicheiro da esquina voltaram a funcionar. Camelôs, transeuntes e automóveis dividiam espaço com pilhas de sacos de lixo, até a COMLURB passar...

Um ônibus soltou um longo guincho ao parar no ponto, em frente ao Edifício Avenida Central. Veio arrastando uma lufada de vento que fez folhas de árvore ou papel alçarem voos, atirando-se sobre quem passava. Pragas e palavrões foram ouvidas naquela manhã de ressaca.

Jorjão e os demais seguranças já haviam deixado a Rua 7 de Setembro. Ele já sabia que na favela o dinheiro  também voltou a ser lixo e retornou para o despejo. O celular tocou, era o Ferreira:

-- Diz aí, Jorjão!... Vi no visor do celular que você me ligou... O que manda?

-- Nada não Ferreira... Foi apenas engano.

Ao desligar o celular, o segurança sentiu fome. Lembrou que tinha um sanduíche de queijo na mochila, preparado com carinho por sua mulher. Já fazia um bom tempo que o sanduíche estava ali, mas sequer foi tocado. Desembrulhou-o , cheirou e percebeu que ele estava estragado. Disse um palavrão e jogou o sanduíche no chão, ali mesmo, junto ao meio-fio e perto de um ralo. Cinco minutos depois, um vira-lata passou e cheirou o alimento. Faminto,o animal ainda exitou um pouco, mas não resistiu. Quando ia desferir a mordida, no entanto, se ateve: o sanduíche se transformou em uma nota de R$ 20,00!... #


Nota: "Além do Blog" é um desafio de criar novas versões para postagens antigas. Quem quiser conferir a versão original deste conto, clique a seguir em: Sanduíche de Queijo.




Abraços!
Bira.
(...) Todas as mães de Irajá, que hoje seriam bisavós ou tataravós se foram. Ficou Dona Alzira, na velha casa número 1 (...) 

Trinco caiado da caixa de luz na varanda da casa de minha mãe - um design perdido no tempo.

Muito Além do Gosto e da Forma

Amigos!

Eu não tinha previsto fazer esta postagem que está saindo por impulso. Faltam dez minutinhos para meia noite, de domingo, e eu acabei publicar algumas fotos do aniversário de minha mãe no Facebook. Ela fez 86 anos e reside na mesma casa há aproximadamente 60. Fica em Irajá, onde ela fez sua pequena festa. Sim... É aquele mesmo bairro, que possui um cemitério e uma Academia Irajaense de Letras e ainda é satirizado pelo seriado Pé Na Cova, da TV Globo. Mas eu já falei de ambos aqui: do bairro e da minha mãe. Na postagem Onde Estão as Flores eu mostrei em verso e prosa um pouquinho da história esquecida de meu bairro natal - ex-sesmaria do Rio de Janeiro. Na postagem Amor de Mãe eu falei de Dona Alzira...

Voltando ao aniversário, não havia nenhuma das antigas amigas de minha mãe ali. Dona Didi, Déa, Ondina, Helena, Isaura, Otuma, Nilva... Dentre as que eu me lembro neste momento - todas já se foram. Todas as mães de Irajá, que hoje seriam bisavós ou tataravós se foram. Ficou Dona Alzira, na velha casa número 1. Outro dia mesmo eu estava pensando nos meus planos de não morrer tão cedo e lembrei que minha longeva mãe convive com o lado ruim desta conquista: não ter amigas de mesma geração, ao lado, para estender a mão trêmula e ganhar uma fatia de bolo. Muitas já repousam no céu ou jazem a setecentos metros dali, no cemitério de Irajá. Dona Alzira, no entanto, continua firme - a ponto de eu poder ousar e soltar uma piadinha (que ela nem ouviu) logo depois dos "Parabéns pra você":

- Pronto mãe... Já cantou parabéns e agora a senhora pode partir... o bolo!

Objetos da casa de minha mãe - Bira, 13-05-2014.


Ocupei-me em tirar fotos dos presentes, mas de repente comecei a notar melhor os objetos da casa humilde da minha mãe. Porta-retratos, flores de plástico e relógio de parede... Achei que tudo merecia um registro de imagem. Quem me percebeu não entendeu minha atitude - mas aqueles objetos são como os idosos desprovidos do encanto de outrora, muitas vezes invisíveis num canto.

Passei as fotos do celular para um álbum que fiz no Facebook com a seguinte descrição:

Ninguém continua fisicamente belo aos 86 anos... A essa altura, o conceito DECORAÇÃO pode também se transformar na simples expressão: "de coração", além do gosto e da forma!... Objetos da casa de Alzira... do álbum:

https://www.facebook.com/ubiracy.rezende/media_set?set=a.10202450402244851.1073741870.1338007251&type=3&uploaded=16 

Eu não tinha previsto fazer esta postagem, ela saiu por impulso... Agora já são meia-noite e quarenta e cinco.

Abraços!
Bira.


Amigos!
Nesta série "Além do Blog" eu dou novas versões às postagens já feitas. Hoje reapresento uma poesia diferente, com interatividade e movimento. Uma reflexão sobre tudo aquilo que você vê, interpreta e escolhe... Confira!

A gente não escolhe o que vê, e sim: vê o que escolhe.

Na década de 80 eu gostava de política e de jogar baralho na praça. Às vezes escrevia algo que por falta de blog guardava na gaveta. Eu era Brizolista como o Zeca, que estacionava o seu carro na calçada da praça ao lado das mesas de jogatina - era como se seu velho fusca fosse um cachorro de estimação - um vira-latas de aço bege e suspensão rebaixada, repleto de adesivos do PDT, que não enguiçava nunca. Zeca tinha quarenta e poucos anos, mas parecia ter mais. Seus cabelos e barbas mal aparados emolduravam o sorriso que seu bigode escondia. Possuía uma perna mais curta que a outra, mas só fumava Hollywood ou Minister. Era o melhor jogador de tranca da praça, segundo suas próprias palavras. Era o maior falador da praça, segundo as palavras alheias.

Eram anos 80 quando soubemos que:

- O Zeca morreu!

- Como Pode?

- Foi tiro!

- E os detalhes?

- Ninguém sabe, foi na semana passada...

Comovido, sem sequer ir ao enterro, eu escrevi "Adeus Zeca" e depois sepultei o poema na gaveta do armário. Somente há dois anos eu exumei o poema. Aqui no blog, ele ganhou interatividade e roupagem cinética. O texto simples se valoriza quando permite a manipulação e auto-transformação perante o observador.

Quase trinta anos depois, "Adeus Zeca" me apresenta novas possibilidades e me faz pensar sobre as possibilidades de tudo aquilo que se vê...

Veja as três versões:

1- Adeus Zeca (1985)

ADEUS ZECA

Na tarde molhada.
A cova engole fria um corpo -
Apaga do cotidiano um homem.

Na face molhada,
Os olhos fitam rubros a cena -
Apagam da mente a esperança.

Se a cova apaga um frio cotidiano,
a esperança mente.

Se a tarde engole os olhos rubros,
um homem acena:
-Adeus!


2- Adeus Zeca (Versão Interativa 2012)
Clique na caixinha e escolha a palavra, sem repeti-la na mesma estrofe... Você pode criar várias versões para a poesia...


Na  molhada

  um    .

que  do  um   .


Na  molhada

a     a pálida .

que   da   a esperança.


Se a     um frio cotidiano

a    .


Se a     a   .
um homem acena:
Adeus!


3- Adeus Zeca (Versão Cinética 2012)
Agora são as palavras que mudam por conta própria, a cada estrofe mais rápido, até quase se fundirem, ou seja, as múltiplas versões se apresentam concomitantemente. Como em tudo na vida, você escolhe o que vê, fotografando o instante que lhe agrada.
___________ 
Um teste interessante seria colocar na tela as imagens da última estrofe (muito rápidas) e tocar na tecla "PrtScn/SysRq" que fotografa a tela, depois colar (ctrl + V) a imagem no Paint, para conferir a versão fotografada naquele momento.










Abraços!
Bira.
(...) O cachorro, mediador do debate, sumiu, mas logo foi encontrado dormindo debaixo da mesa... Corta!... O programa foi interrompido pelos comerciais (...)

Cachorro falante: Colagem de recorte de imagem da internet com paint e gimp.

Surreal

Amigos!

"Se você pudesse voltar no tempo faria tudo igual?"

Quando o dia amanheceu, essa pergunta pairou no ar e na cabeça das pessoas pelos quatro cantos do mundo. Propalada em ecos ela deu voltas na Terra feito satélite. Passou perante meus olhos e invadiu meus ouvidos, e me deixou pensativo. Agora mesmo, a pergunta passou pela China onde ousou afrontar o Rebelde Desconhecido - aquele estudante que enfrentou tanques de guerra na Praça Celestial, em 1989. E o herói anônimo, que hoje cursa a meia idade, tremeu diante da pergunta como não havia tremido diante dos carros de combate:

"Se você pudesse voltar no tempo faria tudo igual?"

-- SIM!... Eu faria tudo igual, sem titubear!...

Responderia o chinês impetuoso e orgulhoso, mas desistiu a tempo, já que a ação do tempo hoje faz tudo ficar diferente, então ele disse simplesmente:

-- Sim... Eu faria tudo igual...

Foi uma resposta opaca, despida de força e verdade. Uma resposta que seria facilmente esmagada pelas esteiras de ferro de um tanque de guerra.


Reportagem da TV Globo relembra o fato histórico... Onde estaria este homem, hoje?


Em São Paulo, essa pergunta foi tema de um debate na televisão. Na mesa, os debatedores convidados eram um empresário e um mendigo, mediados por um cachorro - é isso mesmo que você está lendo: O apresentador do programa era um cachorro, e daqueles vira-latas!... Então os convidados começam a responder a pergunta:

"Se você pudesse voltar no tempo faria tudo igual?"

- E daí, o que importa?... Fatos consumados não mudam! - Disse o mendigo impaciente e raivoso, embora quisesse exibir um sorriso.

- Mas se não mudam os fatos, muda-se a interpretação - rebateu o empresário no melhor estilo auto-ajuda-financeira - Fatos ruins, na verdade, são o-por-tu-ni-da-des para quem faz sucesso!...

A reação do mendigo foi despejar na garganta, em apenas um gole, todo o conteúdo do copo d'água à sua frente. A careta que fez deixou claro que o líquido não era água e sim cachaça. O cachorro, mediador do debate, sumiu, mas logo foi encontrado dormindo debaixo da mesa... Corta!... O programa foi interrompido pelos comerciais...

...

E a insaciável pergunta seguiu seu trajeto pelo mundo:

"Se você pudesse voltar no tempo faria tudo igual?"

Al Gore
- SIM!... Eu faria! - respondeu Al Gore, em Nova Iorque, exibindo seu livro "Uma Verdade Inconveniente" - em uma das mãos. O best-seller, sobre o aquecimento global, foi sua volta por cima após a derrota para Bush, na eleição presidencial de 2000.

Julian Assenge
- NÃO!... Muitas coisas eu faria diferente! - respondeu Julian Assange, o fundador da WikiLeaks, perseguido por divulgar informações confidenciais do governo americano, a começar pelo bombástico vídeo Assassinato Colateral, onde um helicóptero americano dispara brutalmente sobre 12 civis desarmados na guerra do Iraque. De seu refúgio na embaixada do Equador, em Lodres, Assange completa o raciocínio: "Não suporto pessoas que dizem que nunca fariam nada diferente. Isso significa simplesmente que não aprenderam nada com suas experiências".*

Mas a pergunta ecoou muito além de São Paulo, Pequim, Nova Iorque ou Londres. Muito além das celebridades, ela afetou pessoas comuns de línguas estranhas e diferentes culturas.

"Se você pudesse voltar no tempo faria tudo igual?"

É uma pergunta recorrente ao longo dos séculos, ou seja: Se você realmente voltasse no tempo, a encontraria no passado, como tal. E mesmo que você mudasse os fatos, não mudaria a pergunta. Sua ânsia pelo controle lhe conduziria ainda mais para trás, em busca de reverter outros fatos. E assim, sucessivamente, até o limite dessa vida - na sua concepção - ou até mesmo em vidas passadas que existam por conta da fé. Mudar fatos passados seria um mergulho sem fim!

Muito melhor é seguir o exemplo do vira-lata, apresentador do debate, que ignorou a pergunta e as moscas ao redor de sua cabeça e foi cochilar debaixo da mesa.

Abraços!
Bira.

* A resposta de Julian Assange é real e faz parte da sua entrevista  à Revista Rolling Stones, fev/12. A "resposta de Al Gore", no entanto, é fictícia. 




Amigos!

Gif animado, com sequência de ilustrações feitas no Paint - Bira, 03/14.
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Em conversa com outros amigos, ontem à noite, um deles começou a falar de maturidade emocional, e disse:

- Antigamente eu só queria o lado bom das coisas, depois vi que não dava... Tudo na vida tem um lado ruim que é impossível de ser eliminado...

Aquelas palavras provocaram, de imediato, um insight. Um sorriso de gratidão e discordância brotou na minha face:

- Sim!... - repare que para não suscitar polêmica, discordei com um "sim" - É possível eliminar o lado ruim das coisas!... Aliás, a gente vem fazendo isso constantemente e muitas vezes nem se dá conta!...

Meu amigo não ficou irritado, mas curioso. Como ele poderia se irritar com alguém que lhe transmite a discordância num sorriso de gratidão? E começou a observar atento a minha explanação:

- É simples... - falei simulando um desenho imaginário na mesa - Veja aqui os dois lados: Quando você elimina o lado ruim de alguma coisa, tal qual uma mitose, o lado bom se divide em dois... Inebriado pelo encanto da mudança, você demorará a perceber que há de novo um lado bom e outro ruim. Muito embora eles estejam em um nível mais elevado, não deixam de ser bom e ruim (!)...

Meu amigo não dizia nada. Não sei se entendeu de fato o argumento. O mais importante, no entanto, é que EU estava entendendo os pensamentos que me chegavam. Era como se eu tivesse encontrado um novo ângulo de fotografar uma cena, revelando detalhes ocultos. Imediatamente pensei nessa onda de protestos, quebra-quebras e reivindicações, que fundiram a minha cabeça nos últimos tempos, apesar do país ter superado uma crise mundial... A lógica, neste fato, também se aplica: a ditadura foi eliminada e o povo melhorou de vida, mas isso se dividiu em novas reivindicações.

Para sair desse campo minado da política, eu apresentei a meu amigo um outro exemplo simples e pessoal: Quando em 2.012 eu terminei de pagar a minha casa, a muito custo, deparei com a urgência de fazer várias reformas caríssimas, pois o imóvel é grande. Sendo assim, eu havia eliminado o LADO RUIM (de não ter casa), mas o LADO BOM (de ter casa) se dividiu, dando luz a novo LADO RUIM: (de ter de fazer reformas caras e urgentes).

Ressaltei ao meu amigo que perceber as coisas dessa forma me deixa motivado: um lado ruim continua presente, porém em um nível mais elevado - sinal de progresso. Sua presença valoriza que há de bom!...

Mas esse texto não encerra aqui: Existe a progressão feita ao contrário, vejamos:

QUANDO O LADO BOM É ELIMINADO E O RUIM SE DIVIDE

Quando o metrô permaneceu parado na linha 2, esta semana, várias pessoas se irritaram no vagão. Não era para menos - muito chegariam atrasados no trabalho, inclusive eu. Consultei o relógio três vezes, a cada cinco minutos. Na quarta consulta, desisti de permanecer irritado. Pus os fones de ouvido, mas não consegui me concentrar na música, até que veio um pensamento, que imediatamente postei no Facebook:

"O lado bom de ficar dentro metrô parado na linha 2 é pensar que poderia ser pior, estando dentro de um túnel na linha 1"...

Ao pensar assim eu sorri. Dividi o que havia de ruim e relaxei na sua parte boa...

Ninguém em sã consciência deseja livrar do bom e ficar com o ruim, quando isso acontece é involuntário. Acidentes, tragédias ou simples contratempos provocam mudanças profundas na consciência de quem os supera. Novos conceitos de felicidade são resgatados, feito criança, nos escombros de um prédio desabado. Semi-devastado pelo ataque nuclear, o Japão que ressurgiu pacífico, tornou-se potência mundial. Há milhares, talvez milhões de exemplos individuais de superação descritos em sites, igrejas, livros de auto-ajuda e até mesmo ao pé do ouvido de quem precisa de incentivo.

O FOGO E A ÁGUA

"Fogo de morro acima e água de morro abaixo, ninguém segura" é um provérbio que descreve a força que usamos na eliminação dos problemas, mas também a enxurrada que destrói patrimônios. Vivemos, hora sob efeito da emoção que cega quem emerge, hora sob efeito da emoção que aprofunda a depressão de quem perdeu. Emergir ou submergir, perder ou ganhar, no entanto, é o resultado de um julgamento mutante aos olhos do tempo.

Abraço!
Bira.