Amor de Mãe

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(...) A menina que veio da roça já não brincava mais com a enxada. Cedo se tornou mulher e quando lavadeira, suas mãos perderam os calos ganhando unheiros provocados pela espuma do sabão (...)

Nesta foto de 1950, à esquerda a minha Tia Nancy (muito linda!), ao centro, uma amiga não identificada e à direita a minha mãe, Alzira, com meu irmão Ubiratan no colo - local provável: Campo de Santana, no Centro do Rio.

Amor de Mãe

Amigos!

Minha mãe não lerá este blog.

Não é nada disso que vocês estão pensando... Aos 84 anos, ela está vivinha! O fato é que ela não aprendeu a ler, mesmo. Na época do Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização), lá nos idos de 70, eu era criança mas ainda me lembro dela tentando assinar o nome. Infelizmente desistiu pois lhe faltavam óculos.

Minha mãe nasceu nos extintos laranjais de Araruama. Logo cedo aprendeu a manejar a enxada. Chegou no Rio em 1942 quando tinha 14 anos. Engravidou de Oscar, seu primeiro marido. Perdeu o primeiro filho, ainda recém nascido. O segundo vingou, é o João Batista, meu irmão mais velho, hoje com 69.

Eu não conheço os detalhes pois só nasci 17 anos depois. Mas ela se separou e se casou, de fato, com meu falecido pai, Jacy que gostava de batizar seus filhos com nome de índio. Meu velho nunca ganhou muito bem, mas foi agraciado por Getúlio Vargas - O Pai dos Pobres, que construía conjuntos residenciais para o povo, em Irajá. Não eram apartamentos compactos como se vê hoje, eram casas com jardim e quintal amplo, repletas de manga, cajá, goiaba, banana, cachorro e galinha. Pouca coisa resistiu ao tempo em Irajá desde aquela época. Os portugueses que plantavam hortaliças se foram e nos vastos canteiros de couve germinaram prédios. Muitas famílias mudaram, outras creceram e os quintais que ganharam casas, perderam árvores. A Paróquia de N. Sra. da Apresentação, segunda igreja do Rio de Janeiro, continua lá. O campo de futebol dos Filhos de Irajá F.C. também, mas com tapete de grama sintética... Irajá impermeabilizou seu solo.

Quando meus pais se separaram eu tinha 6 anos. João, meu irmão mais velho já estava casado e Ubiratan, aos 15 anos já começava a trabalhar. Minha mãe recebia pensão alimentícia, mas não era suficiente. Por isso tinha de lavar e passar muita roupa para sobreviver. Mesmo assim, lembro de ela ter me matriculado num jardim de infância - Sapatinho de Cristal - cujo ônibus vinha me buscar na porta de casa. A mulher analfabeta, lavadeira e desquitada, preocupava-se com a edução de seu caçula. Acho até que nem fiquei estudando muito tempo naquele jardim. Talvez ela nem tenha conseguido pagar as mensalidades, mas me lembro dos anos que ela pagou explicadoras para mim. A intenção era boa mas eu detestava. Uma das explicadoras, simplesmente me colocava para fazer algarismos romanos todos os dias!... Eu não aguentava mais!

A menina que veio da roça já não brincava mais com a enxada. Cedo se tornou mulher e quando lavadeira, suas mãos perderam os calos ganhando unheiros provocados pela espuma do sabão. Seu esmalte vermelho não era um simples sinal de vaidade, mas o disfarce oportunista das unhas inflamadas. Passava horas debruçada sobre o tanque de roupas, promovendo um rodízio de cigarros nos lábios. Falava muito. Chorava muito. Jogava muito no bicho e quando ganhava, sorria muito! Quando eu queria comer um doce, ela fritava banana do quintal e mergulhava no açúcar ou simplesmente fazia pirulitos de açúcar derretido para me dar...

Neste Natal de 2011, no terraço lá de casa, minha mãe posa para foto comigo e seus netos.

Para mim, foi extremamente difícil deixar a casa de minha mãe onde mesmo depois de casado morei por sete anos. As coisas ali já não estavam dando certo, mas aos 30 anos, o cordão umbilical não rompido teria virado uma corrente.

Talvez fosse até legal que minha mãe pudesse ler e entender esse texto, mas um texto não é nada. A menina roceira, que se tornou uma velha senhora não precisou se instruir para saber o que é amar. Bastou-lhe ser mãe!

Desejo um feliz dia das mães para aquelas nos ensinam a amar!

Abraços!
Bira.
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2 comentários:

Pablo Vallejos disse...

ótimo texto!
emocionante e muito bem escrito.

parabéns pelo blog!
abs, até!

Grande Poeta Bira como sempre nos dando lição de vida, emocionante a sua história de vida meu camarada, meus parabéns a vc e sua familia, gosto de ler histórias assim e lembrar também um pouco do passado, vc me fez lembrar do antigo MOBRAL, não que eu tenha estudado nele, mas a minha mãe e alguns parentes estudaram nele e hj em dia se minha mãe e muitas pessoas leem e escrevem deve ao antigo MOBRAL...Naquele tempo era dificil de se viver mesmo se hj em dia nós temos facilidades na vida nós devemos aos nossos Pais, Tios e Avôs que no passado deram muito duro para que o nosso Pais e também a tecnologia surgissem, infelizmente hj em dia muito das garotadas não se importam com o passado e a história vai se apagando um exemplo disso é a expansão imobiliária que se tomou no Rio de Janeiro e como vc mesmo falou que o seu pai ganhou do Getulio Vargas uma casa com o terreno e hj em dia os mais jovens não querem ter trabalho e estão vendendo no RIo várias casas, terrenos, sitios para as imobiliarias fazer novos lares é triste que o passado está se acabando...Parabéns mais uma vez a sua linda familia e ao ver a sua mãe na foto vc deve ter puxado o seu pai pq vc é grandão e ela é pequena.
Desejo a vc e sua familia um Feliz Natal e um Próspero 2013 e que no ano que se aproxima possamos estar correndo muitos Kms.

Um forte abraço,

Jorge Cerqueira
www.jmaratona.com