Onde está a Beleza do Rio?

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(...) Já paguei três meses de musculação e não frequentei nenhum dia. Sei que estou perdendo dinheiro, mas hoje eu quero é correr e passar por ruas onde nunca pisei (...)


Cristo do Subúrbio, montagem com fotos da internet - Bira, 28/10/15.

Onde está a Beleza do Rio?

Amigos!

Embora precise, eu não conseguiria malhar dentro de uma academia nesta manhã tão clara. Por mais amplo que fosse o janelão da academia, eu me sentiria recluso. Depois de ter passado a noite fria embaixo do edredom, agora tinha um sol me convidando para correr.

Esta manhã de inverno possui ar fresco e nenhum chamusco de nuvem maculando o azul do céu. É certo que vai esquentar, mas os raios solares ainda provocam sombras enviesadas no chão. Já paguei três meses de musculação e não frequentei nenhum dia. Sei que estou perdendo dinheiro, mas hoje eu quero é correr e passar por ruas onde nunca pisei. A sensação de estar perdido, enquanto corre, aguçam os sentidos. Provoca insegurança não saber o que surgirá depois da próxima e inédita esquina. É preciso ficar atento, e isto aumenta a percepção do mundo ao redor.

O subúrbio do Rio não tem mar nem a chamada “gente bonita” que desfila de biquíni ou bermudão. As calçadas não têm pedras portuguesas e alguns terrenos viraram lixão. Quando saio de casa, em Irajá, para correr meus longões, a tendência é seguir em direção ao Centro e Zona Sul.

- Pelo menos posso encerrar o treino dando um mergulho no mar e bebendo água de coco - penso.

Mas hoje farei diferente: Para onde vou?... Não sei.

Optei por seguir na contramão do metrô, de Irajá até pouco antes da estação Colégio. Adentrei numa rua à esquerda, achando que estaria seguindo para Rocha Miranda, mas abandonei o curso na próxima esquina. Algumas novas mudanças de trajeto e percebi que não sabia mais onde estava (que beleza!). O cronômetro deveria estar marcando uns 20 minutos e eu já “me perdera”. Vibrei, enquanto um vira-lata faminto, sentado na calçada, sequer me via passar.

Correndo no asfalto, rente ao meio-fio, percebi que a COMLURB passou por ali, deixando a rua limpa... “Até quando?”, pensei. Diante dos muros pichados, mal construídos ou sem reboco, as pessoas desprezam a limpeza das calçadas jogando tudo no chão.

- Onde está a beleza do subúrbio? - me perguntei.

Mais uma esquina e dei de cara com a estação Coelho Neto do metrô. Já sabia de novo onde pisava e prossegui no sentido Pavuna. Cruzei sob a Av. Brasil e me embrenhei as ruas de Acari. Não dava para me perder ali, mas poderia seguir para a Baixada. Margeei um rio largo, poluído e assoreado, um conjunto residencial de prédios populares e a linha férrea num trajeto de uns cinco quilômetros. Dentro do rio vi urubus disputando uma “refeição”, e me perguntei:

- Onde está a beleza da periferia?

Se por um lado, o solo não apresentasse tanto atrativo, por outro, a luminosidade do céu aumentava e dava mais vida ao azul. Nesses três quartos de hora vi três aviões passarem, rumo ao Galeão, sem nuvens para perfurar. Mantive o ritmo moderado das passadas (uns 10km/h) e minha respiração estava tranquila. A apenas quatro dias da Meia Maratona não se deve forçar.

Não devia faltar muito para chegar a Pavuna, quando o longo muro da estrada de ferro recuou, revelando uma cancela que me deu a opção de virar à esquerda. Uma placa dizia ser caminho para Anchieta. Aceitei a sugestão e experimentei de novo a sensação de alerta – em que bairro eu estava?

Mantive-me na estrada onde corre o trânsito para não entrar em terreno hostil. Passei rente a uma favela e cruzei uma área industrial. Vi barraca que vendia pão-com-“linguisa” na frente duma fábrica; um catador de garrafas; uma égua encardida amarrada no pasto; uma sucata de carro incendiado...

- Onde está a beleza?...

Mas não deixo de lembrar um sabiá ciscando insetos no gramado e um belo casal de galinhas d’angola que poderia ser um despacho vivo. Mais adiante galinhas caipiras eram criadas soltas numa área mais bucólica. Esquinas passavam e o trânsito ficava intenso, até que desembocou num pequeno shopping que tinha o nome do bairro: Guadalupe. Olhei pro relógio que marcava pouco mais de uma hora de treino e pensei:

- A Av. Brasil passa por aqui, melhor voltar por ela.

Um transeunte me indicou uma rua à esquerda e eu segui. Antes de chegar à Brasil, descobri uma pista de caminhada que margeia um rio naquele local, da mesma forma que ocorre na Vila da Penha.

Na volta pela avenida, outros quatro aviões passaram, desta vez no mesmo sentido que eu. De Guadalupe à Irajá, absorvi barulho e gás carbono em níveis aparentemente suportáveis. Depois de passar em frente ao CEASA, abandonei a aquela via e corri mais uns quatro quilômetros nas ruas de Irajá. Encerrei o treino (de 1h 56min) e entrei no sacolão para comprar couve, conforme o pedido de minha mulher.

Qualquer dia desses voltarei a percorrer esses recantos do Rio onde a beleza não salta aos olhos. Onde o esvaziamento econômico atirou suas vítimas e encobriu o encanto daquele povo. Quero acreditar que beleza da periferia está apenas encoberta, reunindo forças para brotar dos escombros. Um dia ela vai ressurgir, bem antes que se cumpram as promessas de ressurgimento do Redentor. Se o Redentor continua aprisionado nas páginas do Livro Sagrado, onde está exilada a beleza do subúrbio? Se o subúrbio faz parte do Rio, onde está a beleza do Rio?

(Texto reeditado e modificado em 28/10/15)

Abraços!
Bira





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1 comentários:

OZEIAS CARLOS disse...

MEU AMIGO ISSO É O VERDADEIRO SUBURBIO ONDE EU TAMBÉM TREINO.