domingo, 21 de abril de 2013

Correndo no Canteiro de Obras

(...) Apelei por levar o iPhone e tirar fotos durante o percurso. Isso tornaria o treino bem mais leve e eu poderia colher imagens da minha cidade, em plena transformação (...)

Operários trabalham na construção da pista do BRT, nas proximidades do viaduto da Penha.


Outros operários aquecem a marmita no interior de um imóvel semi-demolido para a passagem do BRT.

Correndo no Canteiro de Obras

Amigos!

É tudo uma questão de foco!

Joguei fora o pessimismo e me inscrevi na Maratona do Rio. Agora vou ter de treinar - superar a insegurança que sempre fica no lugar de uma lesão. Neste sábado fui fazer 30 km solitário - de Irajá a Copacabana, sem saber se conseguiria chegar. Cinco quilos mais gordo e sem a mesma capacidade aeróbica de antes, apelei por levar o iPhone e tirar fotos durante o percurso. Isso tornaria o treino bem mais leve e eu poderia colher imagens da minha cidade, em plena transformação.

Pombos pousam no teto curvo de um prédio, em Olaria - arquitetura do subúrbio.

Galões pet, pendurados sobre a calçada, anunciam a venda de água mineral, no Largo das Cinco Bocas - Olaria.

Corri paralelo aos canteiros de obras da Transcarioca. Disputei espaço com automóveis e gente, entre os cercados e cones. Se não era possível correr forte sobre as lombadas e buracos, melhor - assim teria chance de chegar mais longe. Cheguei na Av. Brasil, na altura de Bonsucesso, onde não vi crackolândia. A obrigação de volta-e-meia tirar fotos me fez perceber os azulejos de uma construção escondida entre o verde da Fundação Oswaldo Cruz ou o céu refletido no poluído rio que beira a antiga Refinaria de Manguinhos.

Painel de azulejos modernistas da Fundação Oswaldo Cruz, em Manguinhos, visto da calçada da Av. Brasil. 

O espelho de água negra de um rio se disfarça refletindo a luz do céu, ao lado da Refinaria de Manguinhos. 

Na Avenida Rodrigues, sob a Perimetral, eu tentei imaginar como será correr ali em 2016. Um céu azul substituirá a sombria a cobertura de aço e concreto. A luz do sol iluminará um chão-mosaico de pedras portuguesas. Os inseto sorrateiros e nocivos se transformarão nas flores que voam... Mas por enquanto, o que se vê são máquinas, cones e operários - além de um vigia dormindo de boca aberta. A junção de um depreciado terminal rodoviário com um palacete abandonado, no entanto, formou o belíssimo MAR - Museu de Arte do Rio, dando uma  ideia do que está pro vir.

O elevado da Perimetral vivendo seus últimos dias, antes da demolição - no Cais do Porto.

Um fétido terminal rodoviário foi reformado e se uniu a um casarão para compor o MAR, na Praça Mauá.

No Aterro, abricós-de-macaco espalhavam frutos em forma de bola pelo chão. O morro do Pão de Açúcar surgiu para roubar a atenção e o celular descarregou antes de eu cruzar o túnel e reverenciar a estátua da Princesa Isabel, na avenida de mesmo nome, ao fim do treino. Na areia da praia bebi guaraná e não tive coragem de dar um mergulho gelado. Tomei uma ducha, troquei de camisa e voltei pra casa... De metrô, é claro!

Abricós de macaco despencam no Aterro do Flamengo, num trecho onde as sobras das árvores não deixam a grama crescer.


A enseada de Botafogo tem Cristo Redentor, Pão de Açúcar e uma pista curva e encantada.

Obs.: Todas fotos foram feitas com iPhone. 


Abraço!                                                                
Bira.

sábado, 13 de abril de 2013

A Falta que a Corrida Faz

(...) Os meses passaram esvaziando os pneuzinhos da barriga e inflando o seu ego. Para melhorar o desempenho nas provas, você foi fazer musculação (...)

Montagem composta com recortes de fotos pessoais - Bira, 13-04-13.

A Falta que a Corrida Faz

Amigos!

Quando você resolveu abandonar o sedentarismo e começar a correr era uma bela tarde de sábado. Cheio de coragem, você resgatou um par de tênis empoeirados lá do fundo do armário, onde eram pisoteados pelos demais calçados. Não eram tênis de corrida, mas daria pra quebrar o galho. Enfiou-se num calção surrado e, na falta de camiseta apropriada, vestiu a de seu clube de futebol. Quem te viu cruzar a esquina, nas primeiras passadas, teve dúvidas se você estaria praticando corrida ou seguindo atrasado pra jogar uma pelada. Seu abdome um pouco avantajado chacoalhava fora de ritmo. Seu coração, no entanto, tinha ritmo, só que cada vez mais rápido. Seus pulmões bebiam o ar capturado pela boca. O ar que lhe secava as narinas e garganta. O ar que trocando de vias, internas e externas, desrespeitava as fronteiras entre você e restante do mundo. Se a corrida provocava um aumento de intensidade nessa troca, você se expandia, tornando-se um ser sem forma ou tamanho, ou do tamanho do mundo. Diante da falta de fôlego e condicionamento, no entanto, você nem podia perceber que isso tudo acontecia. Só sabia que nem tinha chegado ao verdadeiro local do treino - uma pista para de caminhada situada há dois quilômetros de sua casa - e já estava difícil continuar correndo.

Lá chegando você se animou ao ver gerações em movimento - uma mistura de cores e idades sobre o asfalto demarcado. A vontade de pertencer àquele cordão lhe fez esquecer o cansaço e dar dez voltas moderadas na pista. Após o treino, você bebeu fartos goles de água gelada, intercalada com a respiração ofegante. Sua mente sorveu endorfina e otimismo. Sua alma deu saltos invisíveis de visível alegria!

Mas foi na ressaca física da manhã seguinte que doeram os joelhos, panturrilhas e coxas. Ao invés da endorfina impulsionando a mente, havia ácido lático travando os doloridos músculos. Você chegou a pensar que nunca mais iria correr quando se abaixou, às duras penas, e pegou a mangueira que usaria para regar o jardim. Seu desânimo descoloriu as flores do canteiro sedento, até que seu cachorro latiu se atirando contra o portão. Não foi o carteiro nem o marcador de luz que provocaram os instintos caninos. Foi um corredor passando à margem da rua. Um homem com idade aproximada de setenta anos, biotipo, trajes e jeito de corredor... Você pensou: "Se ele pode eu também posso!" - e foi nesse momento que o orgulho lhe salvou! Você decidiu que assim que as dores passassem, voltaria a correr.

Não demorou muito tempo para você comprar um par de tênis absurdamente colorido e caro, dividido em 10 parcelas no cartão de crédito. Participou de sua primeira corrida de rua, largando entre 10 mil corredores no Circuíto das Estações. Já era capaz de explicar para os amigos sedentários a diferença entre pisada pronada, supinada e neutra. Seu ciclo de amigos virtuais quadruplicou no Facebook, então infestado de corredores. Sua caixa de e-mail passou a acumular convites de inscrição em corridas ou de venda de produtos esportivos.

Os meses passaram esvaziando os pneuzinhos da barriga e inflando o seu ego. Para melhorar o desempenho nas provas, você foi fazer musculação. Quis fazer todas as corridas de 10 km daquele ano. Colecionou medalhas e camisetas coloridas. Quebrou sucessivamente seus recordes pessoais. Quando pensou que já estava abafando, conheceu um grupo de corredores que o convidou para fazer longões. Aceitou o convite, achando que seria moleza - não era: O pessoal corria forte, sorrindo e falando o tempo todo, enquanto você mal respirava!... Mesmo assim passou no teste e retornou várias vezes até fazer parte do grupo. Logo você já corria forte, sorrindo e falando, igualzinho aos demais... Foi demais!

Fora da corrida, você era exemplo. Era visto com admiração e, por sua causa, vários amigos começaram a correr. Mudanças saudáveis de hábito ocorreram naturalmente, como parte de uma cultura incorporada e alimentada pelos artigos de revistas, livros e palestras esportivas. Fez a primeira maratona (42 km) e cruzou a linha de chegada chorando. Era um choro de emoção indescritível, compreensível apenas àqueles que já completaram essa longa corrida. Correu cidades, correu estados, correu o mundo e descobriu o seu próprio tamanho. Percebeu que, enquanto ser visível, você tem a dimensão de todo o espaço por onde o oxigênio se espalha.

Quando você ficou lesionado relutou em acreditar que seria por muito tempo. Uma semana, no entanto, não foi bastante para lhe devolver ao mundo da corrida. Foram necessários seis meses sofridos, doídos no físico pela inflamação do músculo e na alma pela inflamação do medo. Medo de perder o contato com o mundo da corrida repleto de amigos, cores e endorfina. Agora você sabe a falta que a corrida faz e fará tudo para ultrapassar os 70 anos, correndo igual aquele homem que passou à margem da rua, fazendo seu cachorro invejoso latir e o seu orgulho proclamar: "Vou voltar a correr!", tomando a decisão que mudou sua vida.

Abraços!
Bira.