sexta-feira, 15 de junho de 2012

Gimara Encontra Gilmara

Gilmara Encontra Gilmara

Amigos;

Montagem com recortes de fotos do perfil da Gilmara no Facebook...


A luz amarela do sol da manhã banhava de ouro as casas de Cordovil e realçava o bronze da pele daquela moça, que caminhava na calçada. Seus cabelos fartos estavam presos e  seus olhos ainda continham o brilho das estrelas que a pouco se apagaram. A moça vestida de atleta, refletia no olhar sua paixão pela corrida, horas antes de uma competição.

O movimento é sempre pouco nas primeiras horas de um domingo suburbano. O frescor se mistura ao silêncio e é possível ouvir o canto distante de um galo. Àquela hora, poucos vira-latas ainda xingam quem passa. Poucos carros soltam rosnados, babando fumaça. O tempo não quer correr para quem espera. Então a corredora consulta o relógio e, no gesto, percebe que alguém se aproxima. Era uma mulher de salto alto, vestido justo, dourado com paetês cintilantes. "Nossa!... Que show! Deve ser uma passista" - concluiu a corredora com pensamentos e sentidos tão velozes que pareciam transformar os movimentos daquela mulher em câmera lenta.

- Bom-dia, corredora! - sorriu a mulher, sem reverência - Vai correr hoje?

- Ah, se vou!... Depois de quatro meses treinando, chegou o dia da meia-maratona!

- Que inveja, amiga! - a suposta passista já falava com a intimidade de velha amiga - você saindo pra correr toda esportiva e cheia de vigor, enquanto eu estou chegando mortinha do ensaio da Escola...

- Eu é que tenho inveja! - devolveu a corredora - você toda lindona nesse salto magnífico, tenho até de olhar pra cima pra falar contigo! Logo vi que você é passista... Mas é de qual Escola?

- Da São Clemente, com muito orgulho!... O ensaio de hoje foi show!

- E agora, vai dormir o dia todo?

- Que nada! Vou dormir um pouco e depois levar minha filha para escolher o seu presente de aniversário - 16 anos!

- Você já tem filha com 16??

- Quantos anos você pensa que eu tenho, corredora?... Tenho sim, uma filha linda, muito amiga, que me ouve e me dá conselhos... Isso mesmo: ela ficou madura antes do tempo, eu acho... É muito inteligente, extrovertida e carente... assim como a mãe... - a passista respirou um pouco para não perder a cadência e continuou: - Minha filha está fazendo o 2º Grau e um curso de comércio exterior, mas ainda quer se descobrir profissionalmente. Há três meses fomos ao oftalmologista e descobrimos que ela tem uma doença degenerativa nas córneas, sem cura e progressiva, chamada ceratocone. A notícia foi como uma facada no meu peito, fiquei depressiva e me afastei das coisas que mais amo. Até que a ficha caiu e eu consegui procurar ajuda. Eu tento fazer de tudo para tornar a vida dela o mais normal possível.

- Nossa!... Que mãe maravilhosa você é!...

- Nem sei como estou falando tudo isso, mas você me inspira confiança. Mas fala de você, corredora: Como arruma tempo para treinar?

- Acordando muito cedo e me juntando aos amigos corredores... Depois vou pro trabalho - sou analista de sistemas, responsável pelas informações da empresa em que administro toda parte de TI, voz, dados e equipamentos. Dou suporte a usuários, implanto sistemas, dou manutenção no site e no sistema corporativo, compro material de informática e software, instalação e configuração de servidores, backups e upgrades... Não é uma tarefa fácil!

- E mesmo assim dá pra correr? - perguntou a passista.

- É justamente por causa disso que hoje estou correndo!... Explico: Em novembro de 2009, a rede da empresa foi invadida por hackers e começou meu pesadelo - trabalhei dia e noite para recuperar todas as informações infectadas. Perdi noites de sono e trabalhei sobre pressão. A empresa teve que parar por três dias e isso me causou um transtorno imenso... Pensei que nunca mais fosse colocar a firma em pé novamente, mas consegui! Quando tudo estava terminado, comecei a passar mal do nada, na rua. Ter medo de coisas simples e triviais... de sair à rua, de tudo. Pensava que iria morrer a toda hora - uma sensação horrível que não desejo a ninguém! Desmaiava com medo de atravessar a Av. Presidente Vargas. Barulhos e tumultos faziam minha pressão subir. Nas crises, fui internada várias vezes. Não atendia ligações de amigos, vivia deitada no escuro e sozinha. Não assistia TV, nem ouvia música. A vida não tinha graça. Os remédios receitados me deixavam sonolenta a maior parte do dia, sem sorrir ou expressar nenhuma emoção. Minha família também começou a sofrer com isso, principalmente minha filha e minha mãe. Um belo dia fiz uma pequena oração pedindo a Deus que me enviasse o profissional que me curaria e assim Ele fez. Por desistência de uma paciente, no mesmo dia, consegui consultar-me com um médico que me receitou remédios simples e baratos e afirmou que eu estaria boa em 15 dias... Eu acreditei. Demorou um pouco mais, acho que 2 meses, mas foi aí que comecei a viver. Comecei a malhar e a praticar corrida aqui no bairro com os amigos que já corriam. Gostei tanto e isso me fez tão bem que logo me inscrevi na Corrida Vênus de Mulheres. Chamei algumas amigas e minha família ficou muito contente com a mudança. Recebia apoio de todos, família e trabalho. Corri os 10 km em 47 minutos - um excelente tempo para uma iniciante, foi quando minha empresa começou a me patrocinar nas corridas. Então treinei com acompanhamento profissional e consegui vários pódios. Conheci muitos lugares e amigos. Foram mais de 90 corridas até hoje, inclusive fora do estado e do país. A corrida me inseriu em várias outras atividades. Trouxe muita alegria e amigos maravilhosos. Devo à corrida a minha nova vida de saúde e felicidade!...

Nessa hora uma van cheia de atletas parou do outro lado da rua e buzinou. A corredora se despediu da passista, que estava surpreendida com o que acabara de ouvir, e na pressa partiu:

- A gente se encontra! - disseram ambas ao mesmo tempo.

Quando se deram contas de que não anotaram os telefones ou sequer perguntaram o nome, uma da outra, o carro já havia partido.


*           *          *

Quando a passista chegou em casa, sua filha ainda dormia. Com cuidado para não acordá-la alisou seus cabelos e beijou sua testa. Desceu dos saltos para escovar os dentes e tomar um banho. Vestiu a camisolinha e foi dormir um pouco. Sonhou que a São Clemente havia sido a 1ª colocada do Carnaval Carioca e que no Desfile das Campeãs, uma platéia de corredores lotava as arquibancadas da Marquês de Sapucaí, aplaudindo esfuziantemente a sua escola.


Enquanto isso, a corredora dava largada entre outros 10 mil atletas na Praia de São Conrado. Depois de subir e descer a Av. Niemeyer e não ter certeza se seu corpo apenas suava ou também chorava de emoção, desembocou na Praia do Leblon. Em Ipanema, estabilizou as passadas. Em Copacabana, superou o cansaço. Na Enseada de  Botafogo, recebeu as bençãos do Cristo e absorveu, no Aterro, toda força oriunda da imensa pedra que forma o Pão de Açúcar. Sentiu o gosto doce da vitória, ao cruzar a linha de chegada. Conferiu no relógio que fizera seu melhor tempo em uma meia-maratona, estando entre as primeiras de sua faixa etária. Sorriu, abraçou e curtiu os amigos. Tirou fotos, fez novas amizades... viveu!

Quando voltou para Cordovil já era mais de uma da tarde. Desceu da van na mesma esquina onde cedo embarcara, e para onde o sol, longe da brisa do mar, dispara seus raios ofuscantes. Então a corredora consultou o relógio e, no gesto, percebeu que alguém se aproximava. Era uma mulher sem salto alto, sem vestido justo ou paetês cintilantes, mas com o inconfundível sorriso de passista, que falou:

- Boa-tarde, corredora!... Como foi a corrida?

- Excelente!... Mas que bom que você apareceu! Nem tinha perguntado seu nome ou dito o meu, de manhã...

- Eu sou Gilmara!

- Peraí, você tá brincando?!... Eu também sou Gilmara!... E duas Gilmaras no mesmo metro quadrado é superpopulação!


Então as duas sorriram como sorriem as Gilmaras. Tagarelaram como tagarelam as Gilmaras. Se emocionaram como se emocionam as Gilmaras e num abraço de Gilmaras se fundiram, transformando-se milagrosamente numa só pessoa - corredora, passista, trabalhadora e mãe!... Sendo apenas uma, seus diálogos se transformaram em pensamentos. Sem entender o que ocorria, Gilmara beliscou-se para ver se não estava sonhando. Não estava. A multi-Gilmara era uma só! O lado mãe, no entanto, tomou as rédeas da ação e partiu para casa, onde sua filha de 16 anos, nem fazia ideia do abraço que receberia.

Quando abraçou sua filha, Gilmara mostrou na prática a essência daquilo que quis dizer ao finalizar o último e-mail que me enviou:

"... mas somos felizes! Deus sempre conforta nossos corações e nos ensina a lidar com as dificuldades."

Imagem 1 - montagem com Gimp, utilizando fotos do perfil do Facebook de Gilmara;
Imagem 2 e 3 - fotos do perfil de Gimara no Facebook;
Filme 4 - Youtube.

Abraços!
Bira.