Escolhi a Corrida!

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Fui correr a Maratona do Rio'85, do nada, sem estar habituado a correr ou dar um treino sequer - foto da chegada.  

Escolhi a Corrida!

Amigos!

Talvez eu tivesse apenas dez anos de idade quando escolhi a corrida!...

... Era noite e meu irmão, já adulto, mandou que eu comprar coca-cola. Faz quarenta e sete anos, mas eu me lembro da carreira que dei. Corria levando nas mãos a garrafa de vidro do refrigerante "tamanho família" - naquele tempo não existia garrafas pet e era preciso retornar um casco vazio na compra de um cheio. Possivelmente eu estivesse descalço, pisando no chão acidentado e sem calçamento, como era costume. Ignorei os riscos de me ferir e fantasiei que fosse um atleta em plena competição. Experimentei o prazer transbordar pelos poros, feito a coca-cola que transbordou na mesa, durante o jantar... E eu nunca mais quis parar de correr!

Cresci mais um pouco e fui jogar futebol, onde eu só era escalado nas pontas. Nunca fui bom com a bola nos pés, mas quando lançavam a bola nos francos eu corria demais. Corria para pegar pipa avoada, mas nem queria empinar o brinquedo depois, apenas correr atrás de outra... Corria atrás de um balão apagado ou atrás de outro moleque, no pique. Saía de casa atrasado e ia correndo para a escola. Retornava da escola, às carreiras, para chegar logo em casa. Sempre encontrava motivos que me fizessem correr.

Mas, no silêncio daquelas noites, o tempo sorrateiro surgia feito um rato...

... Cirurgicamente, o tempo surrupiava pedaços da minha infância, sem ninguém perceber. Noite após noite, furto após furto, toda minha infância pareceu se esvair. Então, para os outros, o meu corre-corre foi perdendo a graça. Eles disseram que eu tinha que trabalhar e ao mesmo tempo estudar. Estudei e trabalhei e não tive mais tempo para nada, muito menos correr. Gente, daquela época, também dizia que "pobre correndo era ladrão ou maluco". Eles diziam isso sorrindo e fumando com o charme dos galãs de Hollywood, que não sabiam atuar sem um pito na boca. O jeito foi eu parar correr e tentar aprender a fumar, feito eles, mas, felizmente não consegui.

Talvez eu tivesse vinte e cinco anos de idade quando escolhi a corrida, outra vez!...

... Eu desfolhava o Jornal do Brasil, no intervalo de almoço da loja onde eu trabalhava. Vi que se aproximava uma grande prova - a Maratona do Rio de 85 - e sem pensar fiz minha inscrição. Seriam 42 quilômetros a serem vencidos, por mim que nem treinava (e pelo visto sequer pensava) mas fui! A longa batalha durou 5 h e 27 min, mas o orgulho que senti perdura até hoje. A partir dali, voltei a correr sem me importar com o que eles diziam. Fiz mais duas maratonas, superei algumas lesões e as pedras que surgiram no caminho. Só sucumbi diante das pedras que surgiram nos meus rins... Então, desisti outra vez.

Talvez eu tivesse quarenta e sete anos de idade quando escolhi a corrida, pela enésima vez!...

... Eu precisava descongelar o ânimo da infância e consumi-lo no dia a dia. Ainda dava tempo de fazê-lo, bastaria voltar a correr! Parte daquele moleque, que ia correndo comprar coca-cola, ainda hibernava dentro de mim: O menino-corredor soube se esconder do tempo-sorrateiro-feito-rato, que desistiu de procurar para roê-lo até o fim. Então, voltei para aquilo que sempre escolhi!

Talvez eu tivesse nascendo quando escolhi a corrida!...

... Talvez tivesse feito isso todos os dias, mesmo quando não corria, mas mantinha o menino-corredor escondido em mim. Hoje, sou eu que percorro a cidade dentro do menino - meu abrigo. Ignoro o que eles dizem. Ignoro o tempo roedor. Resisto o quanto posso, naquilo que escolhi... Escolhi a Corrida!

Abraços!

Bira.
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